“Tenho encontrado portugueses e portuguesas absolutamente brilhantes em tudo”

Entrevista a Paulo Cafôfo, Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas

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Paulo Cafôfo, Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, em Lisboa
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A nossa reportagem esteve em Lisboa, Portugal, para entrevistar o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas (SECP), Paulo Cafôfo. Durante a conversa, que decorreu no dia 23 de maio, no Gabinete deste membro do governo português, foram abordados temas de interesse da diáspora lusa, como os serviços consulares, a rede do Ensino de Português no Estrangeiro, os investimentos realizados em termos sociais junto dos cidadãos emigrados, bem como os desafios enfrentados pelos Negócios Estrangeiros de Portugal e o apoio, importante, de entidades como o Conselho das Comunidades Portuguesas.

Paulo Cafôfo falou também sobre as experiências que tem vivenciado no âmbito das suas visitas às comunidades portuguesas no mundo, destacou a força e a vitalidade dos portugueses que decidiram deixar Portugal, mas que, apesar da distância, dignificam o nome do país além fronteiras.

Uma das ações levadas a cabo por este Secretário de Estado é a visita a outros países onde residem diversos portugueses que dão corpo à diáspora lusa. E, nesse périplo, este governante diz ter encontrado muitos motivos para valorizar as comunidades portuguesas.

“Tem sido um prazer, mas também uma enorme responsabilidade, esta minha ligação e as políticas que o governo tem para a vasta comunidade portuguesa espalhada pelo mundo. Eu admiro-me como é que é possível que nós, um pequeno país no cantinho da Península Ibérica com as regiões autónomas da Madeira e dos Açores, com os nossos arquipélagos, dominamos o mundo. E, quando digo isto, considero que temos todo um sentido de dominar não no sentido de superioridade, bem pelo contrário, aliás, as nossas características humanas e o nosso humanismo levam a que facilmente nos entrosemos, nos incluímos, nos adaptamos aos países onde vivemos. Tenho pensado muito sobre isto, o porquê temos uma enorme diáspora? É evidente que há questões económicas a contextos políticos que provocaram a saída destes nossos compatriotas do país, mas há algo além destes contextos políticos, económicos. É uma situação, uma razão que pode explicar também o facto de nós querermos ir para lá, para além do território nacional, e penso que é algo que está no nosso ADN. Se repararmos, foram os portugueses que iniciaram a expansão marítima, foram os portugueses que deram novos mundos ao mundo e esse nosso espírito aventureiro de empreendedorismo de visão, de capacidade de trabalho e de ambição, isto está muito na nossa forma de ser, enquanto povo. (…) E esta atitude acaba por ser marcante na nossa forma de ser enquanto povo e, aquilo que eu tenho encontrado são portugueses e portuguesas absolutamente brilhantes em tudo, em todo o lado, em todos os países encontro pessoas brilhantes que muito nos orgulham, porque, sabe, é um orgulho para mim, enquanto Secretário de Estado, mas eu diria, para qualquer português, chegar a qualquer parte do mundo e ouvir falar bem de Portugal. Mas ouve-se falar bem de Portugal pelos portugueses que residem nesses mesmos países, e esta ligação e esta imagem que os nossos concidadãos têm é realmente um motivo de orgulho para todos nós e eu quero muito, e essa é a minha principal missão, o meu principal papel, que todos os portugueses e portuguesas que estão aqui em Portugal tenham um enorme respeito por aqueles que, tendo deixado o país, fazem muito pelo país. Aquilo que eu encontro não é uma amargura de terem sido muitos deles obrigados a sair do país e estarem com uma mágoa, por isso, é que podia haver esse sentimento, mas isso não existe, pelo contrário, aquilo que eu noto é que os portugueses que residem no estrangeiro têm um amor muito grande”, afirmou Paulo Cafôfo, que acredita que Portugal existe, também, fora das suas fronteiras.

“Portugal está bem vivo. (…) o que eu encontro no estrangeiro com estes portugueses e as portuguesas é que eles conhecem outras realidades e acabam por reconhecer que o nosso país é um país de enormes qualidades. (…) o que gostaria, e quero, é que estes portugueses que estão na diáspora sejam um exemplo para todo o Portugal, porque estas pessoas são exemplo, são exemplo a vários níveis, na postura, na sua capacidade de trabalho, na sua tolerância com os outros, eu diria que são exemplos para o país (…). E este é um exemplo que nós temos de retirar e aprender, porque o país é melhor com a diáspora que tem”, frisou este responsável.

Nos últimos meses, Paulo Cafôfo tem visitado parte das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo no âmbito da inciativa “Portugal no Mundo: Caminhos para a Valorização das Comunidades Portuguesas”, que visa “reforçar laços, aproximando os portugueses residentes no estrangeiro ao nosso país e, simultaneamente, contribuir para uma visão atual da nossa diáspora”. Este membro do governo português explica que lições tem retirado dessa experiência.

“Aqui na Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, eu acabei por fazer um roteiro, onde as visitas oficiais que efetuo têm eixos que procuro cumprir nos locais que visito, tenho tratado de temas como a questão da juventude, o talento do empreendedorismo, a inovação, a ciência e a cultura. Portanto, tenho uma diversidade de eixos que procuro e só mencionei estes exemplos que procuro preencher com as visitas que realizo para dar uma uniformização e uma coerência à uma visita, porque uma visita não é só o contacto com as pessoas, é o contacto com as pessoas, ouvir e escutar as pessoas e adequar as medidas e as políticas certas para esta nossa diáspora. Mas também constatei que, além destas visitas, também procurei e constatei que era muito importante percorrer o território nacional, ou seja, ir ao encontro, nomeadamente nos municípios e nos conselhos de onde são originários estes nossos compatriotas que acabaram por sair do país, e, então, tenho também percorrido Portugal com a missão de ligar o nosso país à sua diáspora. E, portanto, seja lá fora com o roteiro “Portugal no Mundo”, seja cá dentro na missão de ligar Portugal à diáspora, tenho efetivamente aprendido muito com esta atitude. (…) Portugal é um país global, é um país que nas mais diversas esferas, seja no contexto da União Europeia, seja nas relações bilaterais em que tem com outros países, é reconhecido com credibilidade, muito em parte pela nossa comunidade portuguesa, ou seja, Portugal é um país maior e tem uma importância maior pela ligação que a nossa comunidade tem nos respetivos países. E isto é algo que eu sublinho sempre, porque a grandiosidade do país está nas nossas pessoas, das que vivem cá, mas também, acho, das que não vivem de cá, pois são tão ou mais portuguesas do que aquelas que cá estão”, atestou Cafôfo.

As discussões e definições das políticas voltadas para as comunidades portuguesas pela SECP passam também pelo contacto com o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), órgão consultivo do governo de Portugal. Nas últimas reuniões do CCP, a questão da lei geral desse órgão e a sua representatividade têm sido alvo de questionamentos pelos próprios conselheiros. Na opinião do SECP, o CCP é fundamental para uma política de integração, mas é preciso entender que existe espaço também para discordâncias.

“Há sempre aqui uma dialética entre o governo e o Conselho das Comunidades Portuguesas. É importante dizer que a participação da diáspora é muito importante para a participação cívica, a participação democrática, o envolvimento são muito importantes e nós temos diversos patamares desse envolvimento. Temos os Conselhos Consultivos dos consulados, são importantíssimos porque acabam por ter uma representatividade local, no terreno, pessoas que são muito importantes nos contributos, nas opiniões, nas sugestões, na própria organização que organiza atividades que acontecem nas nossas comunidades. (…) Temos também outro nível de participação que é o Conselho da Diáspora, que está sob a dependência do Senhor Presidente da República, que nomeia e indica quem são os conselheiros da diáspora. E temos ainda o Conselho das Comunidades madeirenses, os Conselhos das Comunidades açorianas e, finalmente, os conselheiros e as conselheiras das comunidades portuguesas. Ora, realmente, às vezes, parece que há aqui um antagonismo entre o governo e o CCP. Eu acho que isto é histórico, desde o momento em que o CCP foi formado e que faz o seu papel, e o papel é o de um órgão consultivo do governo. Muitas vezes julgo que o facto de haver alguma crispação deve-se muito ao facto de nem sempre o Conselho das Comunidades Portuguesas ser ouvido quando deve ser ouvido. E este órgão é importantíssimo para o governo. Neste momento, estamos em fase de alteração da lei do CCP na Assembleia da República, é muito importante reforçar a participação ou os mecanismos de diálogo e de interação com o CCP. É muito importante porque é a única forma de o CCP cumprir a sua missão de órgão consultivo. Seja a obrigatoriedade de ser consultado em matérias que dizem respeito às comunidades portuguesas, seja na manutenção das comissões temáticas que são importantíssimas para contributos que recebem de outras áreas governativas ou de outros elementos que possam convidar, mesmo da sociedade civil, seja também através de reuniões. (…) eu próprio procuro realizar reuniões mais informais (com os conselhos regionais do CCP) que nem são do conhecimento público. (…) a opinião do Conselho das Comunidades Portuguesas não tem que ser coincidente com a do governo, e que isto fique bem claro, é um órgão consultivo. Há matérias em que, com certeza, estarão de acordo com o governo e há matérias em que não estarão de acordo com o governo (…). O governo existe para servir às pessoas. A nossa função é servir, neste caso, servir à nossa comunidade e servir à comunidade não é achar que tem sempre a razão, saber para aonde vai, saber como é que vai, e saber com quem vai, tem que ser, obviamente, com órgãos como o Conselho das Comunidades Portuguesas e, por isso, eu tenho o maior respeito pelos conselheiros e pelas conselheiras. (…) é um órgão consultivo que deve ser consultado e a sua opinião deve ser ouvida para as melhores decisões políticas poderem ser tomadas”, considerou Paulo Cafôfo.

Sobre as visitas que tem realizado às comunidades portuguesa, Paulo Cafôfo disse ainda que foi possível identificar as comunidades que, neste momento, mais necessitam de auxílio e intervenção por parte do governo português.

“Olha, essa é uma boa questão, porque nós, nas políticas que temos, procuramos ou temos três grandes objetivos, três grandes eixos nas políticas que estamos a desenvolver. Uma é a da capacitação e do apoio socioeconómico às nossas comunidades. Aquilo que se tem verificado é que há países onde os nossos compatriotas têm dificuldades nas suas vidas, no seu dia a dia, dificuldades de cariz económica ou socioeconómica. Tenho-me deparado com estas situações, os países que elencamos com maior prioridade são aqueles em que sentimos que há maior necessidade, não quer dizer que não haja outros onde pessoas não tenham apoio ou necessitam também de ajuda, são a Venezuela e a África do Sul. E temos mecanismos de apoio, como o apoio social aos emigrantes carenciados, que acabam por ser um complemento à reforma que esses imigrantes, com mais de 65 anos, recebem. Temos o apoio aos emigrantes carenciados e aqui já sem idade em que são canalizadas ajudas, desde ajudas de saúde, desde aquisição de bens materiais ou outros. Estamos numa fase de revisão destes apoios. Vamos alterar a lei que os sustentam de modo a torná-los mais abrangentes, porque queremos apoiar mais pessoas e, portanto, estamos num processo de revisão. Quero dizer que, no ano passado, nestes dois programas, o Apoio Social a Idosos Carenciados das Comunidades Portuguesas (ASIC-CP) e o Apoio Social a Emigrantes Carenciados das Comunidades Portuguesas (ASEC-CP), apoiamos em mais de 600 mil euros, e, este ano, no orçamento de Estado, vamos até aos 950 mil euros para estes apoios, portanto, já prevendo o aumento da sua atribuição. Depois, temos o apoio ao associativismo, cuja lei está também a ser mudada, aliás, está já em circuito legislativo dentro do governo para a sua aprovação. Nós, este ano, também aumentamos as verbas, ano passado atribuímos cerca de 700 mil euros de apoios, neste ano de 2023, já atribuímos mais de 900 mil euros de apoios e esta lei também está a ser alterada para simplificar, pois achamos que era necessário retirar alguma carga burocrática, que é sempre alvo de queixas (…). Portanto, este é um eixo importante da capacitação social das pessoas que, tendo saído do país, atravessam alguma dificuldade. Mas há outro eixo importante que é o da rede de ensino. Temos aqui a rede do Ensino de Português no Estrangeiro (EPE) que, este ano, tem mais de 72 mil alunos no mundo inteiro, temos mais 300 professores, temos um investimento cerca de 30 milhões de euros neste ensino e iniciamos agora um investimento, além desse investimento referido, de mais 17 milhões de euros na digitalização do ensino de português no estrangeiro. Já tive a oportunidade de distribuir, e continuam a ser distribuídos, tablets com conteúdo pedagógicos, multimédia, com plataformas digitais onde foram criados conteúdo para uma melhor aprendizagem da língua portuguesa”, adiantou este Secretário de Estado, que garantiu que esses equipamentos informáticos vão chegar a todos as unidades da rede EPE.

“Vão chegar a todos os serviços EPE e todos os alunos EPE vão receber esses equipamentos. Muitos jovens receberam, os restantes estão a ser distribuídos, pois é uma logística que não é muito fácil pela quantidade e pela complexidade que, às vezes, temos para chegar em determinados países, mas estão a ser distribuídos este ano e serão integralmente distribuídos pela nossa rede EPE”, confirmou Cafôfo.

A rede consular portuguesa, segundo Paulo Cafôfo, continua a ser alvo de melhorias constantes, embora reconheça que há ainda um caminho a fazer em termos de aperfeiçoamento nos serviços. Os investimentos já realizados e os que estão em fase de implementação mereceram destaque por parte deste Secretário de Estado.

“Outro aspeto importante, além da capacitação social de melhoramento e de crescimento da rede EPE, é a questão do aperfeiçoamento da nossa rede consular, fundamental para os mais importantes, e é um tema que nos ocupa a maior parte do tempo aqui neste gabinete e também na Direção-Geral dos Assuntos Consulares, das Comunidades Portuguesas e do CCP, que tem a incumbência de, no terreno, dar as orientações e reorganizar os serviços sobre a orientação política aqui na Secretaria de Estado. Temos feito um esforço de adotar ferramentas importantes, como o CAC, ou Centro de Atendimento Consular, que já atendeu 1.700.000 chamadas e e-mails, está presente em 11 países e que foi estendido à Suíça e agora vai chegar à Alemanha. O CAC já chegou à Suíça e já está em andamento. Temos o Consulado Virtual, na sua primeira fase, que em junho, e celebrando o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, irá entrar em funcionamento e será uma outra forma de aceder, pela via digital, a alguns atos consulares, depois, numa segunda fase, irá avançar para mais atos. Eu relembro que este serviço digital estava previsto para 2026, mas nós antecipamos para 2023. Temos também o reforço dos recursos humanos. Este ano, contratamos 133 novos funcionários e, além desse reforço, temos uma valorização das carreiras. Nós resolvemos o problema que há uma década está por resolver no Brasil, que era na nossa rede consular o problema mais grave, em que, através de uma portaria, os funcionários viram o seu vencimento melhorado em 50%. Estamos a dar um passo seguinte, nomeadamente com a questão do que já foi aprovado e publicado o novo mecanismo de correção cambial, que é importantíssimo, porque havia países que estavam sempre em perdas acumuladas na diferença cambial e nunca chegavam essas diferenças a ser somadas e, portanto, era uma perda continuada. Estamos também em processo de negociação das novas tabelas salariais que não eram revistas desde 2013. Neste cômputo geral, estas são as nossas prioridades. E o que temos realizado tem sido feito com muito trabalho, muito empenho, porque estas pessoas merecem”, avançou Cafôfo, que voltou a afirmar que utiliza a atitude exemplar das comunidades portuguesas para contornar os obstáculos do dia a dia nas suas funções.

(…) às vezes, há tantas dificuldades… neste gabinete, encontramos tantas dificuldades, não há um dia monótono, não há um dia que não haja um problema, mas sabe que me inspiro muito e eu olho para estes nossos compatriotas que já superaram e continuam a superar obstáculos, dificuldades, tantas contrariedades da vida e conseguem dar a volta por cima, porque têm muita força de vontade e essa força de vontade é aquilo que nós temos, porque merecem tudo de nós e este esforço que fazemos. Vamos ganhar forças e ganhamos forças com os exemplos que vemos”, disse Cafôfo.

Antes de terminar a entrevista, o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas recordou que existe hoje uma “corrida ao pedido de nacionalidade portuguesa, o que quer dizer que Portugal, por parte dos outros, é um país com interesse”, facto que tem exigido maior esforço por parte dos serviços consulares portugueses. Apesar deste cenário, Cafôfo está confiante no caminho e nas políticas que tem seguido para dar respostas aos utentes consulares.

“Temos estado a recuperar, seja na questão do cartão de cidadão, seja nos passaportes, seja no número de pedidos de nacionalidade. (…) Já estamos com números melhores do que tínhamos em 2019. Aumentamos, em relação a estes atos consulares, cerca de 22%, tendo em conta o que tínhamos em 2019, ou seja, a nossa produção está a ser maior depois da pandemia do que era antes. Continuam a existir problemas, continuam a existir estrangulamentos, mas o caminho é de evolução e de melhoria dos serviços e é esse caminho que nós, com toda a vontade, toda a determinação, toda a força, estamos a percorrer”, finalizou Paulo Cafôfo. ■

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