Nos dias 16 e 17 de setembro, a Secção Brasil do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) reuniu nas instalações do Centro Cultural Português em Santos, no Estado de São Paulo, quando estiveram em pauta temas que envolvem a diplomacia e o movimento associativo português no Brasil.
A abertura dos trabalhos foi acompanhada por Paulo Jorge Nascimento, cônsul-geral de Portugal em São Paulo, por Rogério Santos, prefeito de Santos, e por Kayo Felype Nachtajler Amado, prefeito de São Vicente. Compareceram também dirigentes associativos de São Paulo e de Santos.
Após a reunião, foi formulada uma carta com diversos temas abordados e sugestões que será remetida a João Gomes Cravinho, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, e a Paulo Cafôfo, secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.
Pontos sensíveis
No que toca ao movimento associativo, os conselheiros mencionaram que “as mais de 100 associações de raízes portuguesas no Brasil, nas suas várias vertentes (social, beneficente, cultural, desportiva), são verdadeiras “embaixadas” que, historicamente, sem qualquer (ou pouca) ajuda dos governos do Brasil ou de Portugal, desenvolveram um incrível e digno património material e imaterial. Entretanto, por causa da diminuição do fluxo migratório nas últimas décadas e da falta de interesse de Portugal em desenvolver os laços afetivos, culturais e políticos com as comunidades, há, infelizmente, uma crescente crise no movimento associativo luso-brasileiro. O envelhecimento e a falta de renovação dos corpos dirigentes; a diminuição das atividades, especialmente impactadas pela Covid-19, e a ausência da renovação dos corpos sociais, são fatores que indicam a necessidade de uma profunda e serena reflexão pelas associações e por Portugal”. Em virtude deste cenário apontado pelo grupo, a secção Brasil do CCP recomenda ações como “capacitar as jovens lideranças, no âmbito do Brasil, sugerindo um trabalho em conjunto com o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal e a Secretaria da Juventude e do Desporto de Portugal; e Implementar urgentemente a divulgação do curso de capacitação on-line dos dirigentes associativos previsto para o dia 29/09/2022, pois verificamos que o mesmo não foi divulgado a contento, visto que a absoluta maioria dos conselheiros informaram que nas suas áreas da atuação não houve divulgação suficiente”.
Sobre a eleição do CCP e a alteração da Lei 66-A, os conselheiros referiram que, “conforme informado em julho passado, o governo e os grupos parlamentares concordaram que a alteração à Lei do CCP deve preceder a eleição ao futuro mandato. Deliberou-se, portanto, reiterar este entendimento e acompanhar atentamente as propostas de alteração da Lei de acordo com as nossas propostas já apresentadas”.
Inconstitucionalidade
Tendo em vista a simplificação da Lei da Nacionalidade, mais concretamente a alteração do artigo 14, que trata do acesso à cidadania portuguesa na maioridade, os conselheiros no Brasil consideraram ser “incontornável a conclusão de que o art.º 14.º da Lei n.º 37/81, de 03 de Outubro, é inconstitucional por violar os art.ºs 18.º, n.º 2, e 36.º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa, ao limitar o direito à nacionalidade portuguesa para os filhos havidos na constância do matrimónio e impedir o acesso ao Direito fundamental à nacionalidade para os filhos nascidos fora do casamento, e reconhecidos após a maior idade. Assim, apoiamos e recomendamos, na mesma linha de Grupos Parlamentares, Ordem dos Advogados e Ministério Público, a revogação do referido artigo 14, suscitando uma maior conformidade da lei ordinária à Constituição”.
Brasil com a maior rede consular portuguesa no mundo e vários problemas
Os postos consulares foram também alvo de discussão durante o encontro sob vários aspetos. A secção Brasil do CCP reitera que “a rede consular no Brasil é a maior que Portugal possui, desta forma, os problemas são mais impactantes do que nos demais países”.
Quanto às instalações e equipamentos, já há algum tempo (desde 2017) recomendamos que haja novas instalações e equipamentos para o vice-consulado de Porto Alegre – mas que, até ao momento, não foi implementado. Em relação às Presenças Consulares, foi relatado que no vice-consulado em Porto Alegre e consulado em Belo Horizonte não estão sendo realizadas, em descumprimento ao artigo 28 do Decreto Lei 51/2021”, mencionou o CCP no Brasil.
Já sobre os salários dos funcionários dos Postos Consulares neste país sul-americano, “mais uma vez, o CCP apoia que seja dada uma solução justa e, principalmente, urgente sobre a situação de alguns trabalhadores dos postos consulares do Brasil”.
“Esta Secção recomenda que o acordo entre o MNE, Ministério das Finanças e o Sindicato dos Trabalhadores dos Postos Consulares, amplamente divulgado, seja o início desta solução”, defenderam os conselheiros.
Quanto aos Conselhos Consultivos, a carta reitera que “os conselheiros de São Paulo nem todos fazem parte do referido Conselho e, em Belém do Pará e Porto Alegre, as reuniões não ocorrem com a periodicidade prevista”.
“Qual a responsabilidade das chefias dos Postos Consulares que descumprem o artº 13 do Decreto Lei 51/2021?”, questiona a secção Brasil do CCP no documento enviado ao governo português e que foi assinado por Vasco de Frias Monteiro, Flávio Alves Martins, António Davide Santos da Graça, José Duarte de Almeida Alves, Luiz Paulo Figueiredo Pina, Marco António Borges, Maria Alzira de Sousa Leal da Silva, Teresa de Jesus Pires Morgado, Ângelo Leite Horto e David Augusto da Fonte.
“importantes instrumentos”
Em entrevista à nossa reportagem, o cônsul-geral de Portugal em São Paulo, que participou na sessão de abertura da reunião do CCP em Santos, considerou que os temas que foram tratados pelos conselheiros “são da maior relevância, quer para as comunidades portuguesas no Brasil, algumas especificamente, e outras até no contexto geral daquilo que são as comunidades portuguesas no estrangeiro” e que “essas reuniões são importantes instrumentos para que nós, funcionários diplomáticos, tenhamos uma perceção ainda mais correta daquilo que se passa junto das nossas comunidades, as suas preocupações e anseios, mas, também, (…) é uma forma de veicular junto das autoridades aquelas que são as preocupações e os anseios das comunidades portuguesas”.
Este diplomata comentou ainda que foi “naturalmente um enorme gosto participar nesta iniciativa” e que “já havia participado numa reunião na cidade de São Paulo, mais concretamente na Casa de Portugal de São Paulo”.
“Este tipo de encontros é sem dúvida um instrumento útil à persecução dos objetivos das comunidades, também pela afirmação dessas comunidades nos seus países de acolhimento, e persecução de objetivos estratégicos para o Estado português e absolutamente fundamentais naquele que é o quadro do relacionamento entre Portugal, as nossas comunidades emigradas e os países de acolhimento. Este tipo de evento pode ajudar a fortalecer o movimento associativo, pois partilham-se experiências e soluções”, atestou Paulo Jorge Nascimento, que disse ver com naturalidade a presença de autoridades brasileiras no encontro, como os prefeitos de Santos e de São Vicente.
“A comunidade portuguesa em São Paulo tem uma relação muito próxima e de grande solidariedade e de grande entreajuda com os poderes autárquicos e municipais da baixada santista”, frisou Paulo Jorge Nascimento.
“Honra” em ser palco do encontro
José Duarte de Almeida Alves, presidente do Centro Cultural Português em Santos, reforçou, em entrevista, que a reunião “correu bem, que existe uma equipa boa, uma família, e que tudo aconteceu no horário previsto”.
“Para nós, do Centro Português, foi uma honra receber pela terceira vez esta reunião, duas vezes pelo Conselho Regional e uma vez pela Secção Brasil. Ficamos gratos com esta iniciativa que decorreu nas nossas instalações e na qual demos todo o apoio”, comentou José Alves, que defendeu que “o nosso Centro Cultural é um lugar muito acolhedor e muito bonito”.
O encontro ficou marcado também por um almoço de confraternização baseado no cozido à portuguesa e pela apresentação do Rancho Folclórico Verde Gaio, que promove as tradições lusitanas no Brasil e em outros países.
Tentamos obter uma reação da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, mas não nos foi possível até ao fecho da nossa edição. ■