Opinião: “Palavras são Pontes”, por Marivia Brandão

"Reconheço o poder que as palavras têm e acredito que elas curam, têm efeito medicinal"

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Marivia Brandão é Consultora Internacional em Gestão
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Escrever é uma catarse, um ato que me permite abstrair e fazer um forte contato com quem eu sou e o que penso, no afã de expandir essa conexão para o mundo externo. A escrita é uma forma de comunicação que mexe comigo e traz-me lindas lembranças. Foi por causa da leitura do que outros escreveram que passei a escrever.

Quando criança sentia muita necessidade de interação, sempre gostei de conversar e de trocar informações e experiências escutando e também falando. Ocorre que nem todo adulto dá atenção ou tem paciência para ouvir crianças, pois é normal subjugá-las e achar seu contexto bobo e desinteressante. Não compreendem que essa é uma troca intelectual e emocional onde todos têm a possibilidade de evoluir, porque o universo infantil também ensina.

Tenho a sorte de desfrutar de pais que sempre incentivaram seus filhos ao desenvolvimento da comunicação. Assim que aprendi a ler, minha mãe iniciou uma rotina que veio a somar muito em minha vida. Ela trazia-me um livro por semana e pedia que eu o lesse, compreendesse a sua mensagem e depois explicasse para ela o que eu havia entendido. Um hábito simples, mas tão virtuoso que me modificou completamente.

Ali passei a ter confiança na minha leitura e fiquei a cada dia mais instigada em aprender. Os momentos em que ela parava para me ouvir, ao explicar sobre cada livro, era como se o mundo parasse também. Naquele momento tinha minha mãe intimamente conectada comigo, totalmente entregue, ao ouvir minhas elaborações sobre o que li. O que ela provocou em mim através dessa prática, que era praticamente uma “leitura em 3D” (ler-pensar-expressar), foi o entendimento de que as palavras não são apenas símbolos, mas sim condutoras de emoção, de sentimento, e por isso têm o poder de conectar pessoas.

Cada livro permitia uma viagem diferente. Entrava na estória como se realmente dela fizesse parte, viajando junto aos autores, aos personagens, sem o impacto do tempo-espaço, onde a imaginação ocupava lugares e preenchia vazios. Cresci e essa prática manteve-se, fortalecendo meu ser, em especial na adolescência. Talvez a minha mãe não imaginasse, mas ela foi responsável por me apresentar à uma grande amiga, conselheira e companheira que, embora não “falasse”, dizia-me muito do que eu ansiava saber.

Essa amizade com a leitura salvou-me em várias situações, fez-me crescer e desenvolver em diferentes áreas da vida. Ainda sem o advento da internet (sou dessa época hoje dita “pré-histórica”), era aos livros que recorria quando queria saber mais sobre um assunto. Diante de um desconhecimento, não me dava por vencida: era só debruçar-me numa enciclopédia, num dicionário ou num livro sobre o tema, pesquisar até a cabeça doer, até entender um pouco mais ou sair com mais dúvidas ainda e continuar a minha procura.

Essa busca por ler para compreender mais o mundo foi motivada pela vontade de interagir melhor com ele. Afinal a necessidade de comunicação é própria dos seres humanos, sendo uma prática necessária à vida em sociedade. Comunicar significa partilhar algo, tornar comum, e é através da interação, integração, instrução e troca mútua de informações que o mundo vem se  desenvolvendo.

Desde os tempos mais remotos a humanidade buscou formas de expressão e comunicação, como é o caso das pinturas rupestres, cujos registros chegam a datar de 40 mil anos atrás e ainda hoje estão espalhadas em cavernas por todo o planeta. A troca de mensagens e experiências entre os povos evoluiu da oralidade para desenhos e símbolos, até o surgimento da escrita, que marcou e modificou a história humana.

No entanto, mesmo sendo algo que nos é tão intrínseco e que faz parte do nosso cotidiano, também pode causar confusões e provocar fortes conflitos. Para realmente comunicar é preciso que uma mensagem emitida seja recebida e compreendida pelo outro. Vários fatores podem interferir nesse processo, alguns mais facilmente identificados, outros mais sutis. Desconhecemos os universos alheios e, assim, uma expressão simples e objetiva como convidar o outro para “conversar como adultos”, ou seja, de forma madura e sensata, pode ser interpretada como um impensável sinal de agressividade. Fernando Pessoa sabia o que dizia quando afirmou: “quem não vê bem uma palavra, não pode ver bem uma alma.”

Reconheço o poder que as palavras têm e acredito que elas curam, têm efeito medicinal. Tanto é que, ao escrever estas linhas, consigo sentir-me mais leve, calma e serena. Escrever acalma a minha alma. Como bem disse Clarice Lispector,  às vezes basta escrever uma só linha para salvar o próprio coração. Porém, não sou ingênua e sei que aquilo que se diz também pode ferir, maltratar, castigar duramente, machucar essências e corações. Procuro não dar foco ao que se desvirtua de propósitos mais positivos, mas não posso desconsiderar que, a depender da má intenção do emissor, há mensagens cujo único propósito é fazer doer.

É evidente que é necessário ter atenção ao que se diz, tanto ao conteúdo quanto à forma. Há muito a ser dito, entretanto, antes há que se pensar no quê e na melhor forma de dizê-lo. É preciso valorizar as palavras, mas também respeitar os receptores que as interpretarão. Ter empatia é um bom caminho para uma comunicação efetiva. Imaginar como o seu leitor-ouvinte irá sentir-se ao ler-ouvir suas palavras é uma tentativa de conectar-se profundamente a ele, mesmo antes de emitir a sua voz. Como diz a canção, “as palavras saem quase sem querer…tome conta do que vai dizer”.

Enfim, palavras são como pontes. Podemos usá-las para que a travessia seja feita em harmonia, ou incendiá-las com fúria, causando desconforto a quem está do outro lado. Escrever é caminhar nessa ponte, sem saber bem qual é o destino. É preciso coragem e, acima de tudo, verdade para dizer com o coração, com sentimento, o que se quer partilhar.

Marivia Brandão

Consultora internacional em Gestão, Especialista em Relacionamento Empresa-Mercado, Mestre em Empreendedorismo e Criação de Empresas, Especialista em Desenvolvimento Humano, Formadora e Analista Sênior de Perfil Comportamental

mariviasbrandao@gmail.com ■

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