A propina, implementada em 2013 pelo XIX Governo Constitucional, teve um efeito imediato, com o número de alunos da rede oficial do EPE a cair de 54.083 para 45.220 num único ano letivo. A medida foi amplamente contestada nas Comunidades Portuguesas, contestação essa que nunca esmoreceu ao longo dos anos.
Desde então, a rede encolheu continuamente até atingir os 38.575 em 2022/23. Como esperado, o impacto mais negativo verificou-se nos países onde a propina é aplicada. Na Suíça, por exemplo, o número de alunos passou de 12.000 para 7.094 em 10 anos.
Nesta luta de uma década por um ensino que coloca portugueses residentes em território nacional e portugueses residentes no estrangeiro em pé de igualdade, a sociedade civil desempenhou um papel crucial. Alunos e membros de associações de pais, associações num sentido mais amplo e sindicatos, Conselheiros das Comunidades Portuguesas que abordaram a questão tanto na comunicação social como em reuniões com deputados e grupos parlamentares, governantes e o próprio Presidente da República. Além disso, foram apresentadas duas petições: uma em 2013 e outra 2022. Esta última recolheu assinaturas em 50 países, dentro e fora da Europa.
Que percurso! E, hoje, as Comunidades Portuguesas podem finalmente celebrar esta vitória.
Desafios futuros
Há, no entanto, pontos que merecem atenção:
Certificação: os alunos que desejam obter uma certificação continuam sujeitos a um pagamento. Será fundamental garantir que pais e alunos possam escolher livremente se desejam essa opção, tanto no momento da inscrição como em qualquer outro momento, sem sofrer qualquer tipo de pressão;
Manuais: não há indicações que os manuais possam ser gratuitos, tal como acontece em Portugal. Este ponto também terá que ser clarificado para evitar-se uma “propina 2.0”;
Número de alunos: desde o ano letivo 2019/20, o número de alunos permanece abaixo da marca simbólica dos 40.000. Urge tomar medidas para reverter essa tendência;
Ensino on-line: este deve ser encarado como um complemento, e jamais um substituto do ensino presencial;
Cobertura geográfica: com a exceção de 2 países na África, a rede oficial do EPE abrange apenas as Comunidades Portuguesas na Europa, deixando milhões de compatriotas na Oceânia, Ásia e América sem acesso ao ensino oficial.
Outras reflexões
Desde a transferência de tutela do EPE do Ministério da Educação para o Ministério dos Negócios Estrangeiros/Instituto Camões, no início da década de 2010, o ensino de português como língua estrangeira passou a ser prioritário, muitas vezes em detrimento do ensino de português como língua materna.
Embora o fim da propina seja uma lufada de ar fresco, o entusiasmo dos alunos e a vontade de participar nas aulas de língua e cultura portuguesas dependerão também da qualidade do ensino oferecido.
Este último ponto exige repensar o modelo em vigor, e recolocar o público português e lusodescendente como prioridade nas políticas públicas relacionadas com o EPE. ■
Pedro Rupio
Primeiro subscritor da petição “Português para todos! Pelo direito das nossas crianças e jovens a um Ensino de Português no Estrangeiro de qualidade e gratuito”