A corte de Portugal tinha uma devoção especial à terceira pessoa da Santíssima Trindade. Esta devoção acentuou-se durante o reinado de D. Dinis e da Rainha Santa Isabel, durante os séculos XIII e XIV. Foi esta rainha que, influenciada pelos frades franciscanos, criou o culto popular do Espírito Santo em Alenquer. A Rainha mandou coroar um pobre com o símbolo da realeza. Com este gesto queria significar que o Espírito de Deus prefere os humildes, os pacíficos, os inocentes, as crianças.
Este acontecimento marcou o início duma devoção popular que se estendeu por todo o reino e que foi levada para as ilhas açorianas pelos primeiros povoadores, fortalecendo a sua Fé face às enormes dificuldades encontradas e oferecendo-lhes coragem perante os fenómenos vulcânicos.
A Coroa – principal símbolo desta devoção – está presente em milhares de lares açorianos, nos Impérios e nos Quartos do Espírito Santo. É constituída por três partes: a taça, a coroa propriamente dita e o ceptro. A bola dourada que a encima demonstra o seu carácter universal e a pomba o próprio Espírito. Quanto ao ceptro simboliza o poder do pobre, feito Rei do Espírito.
Uma das características do culto popular do Espírito Santo era a sua autonomia face à Igreja, incluindo bispos e clero secular ou regular. Com a evolução do tempo, a cerimónia da entronização de crianças, e depois adultos, com a Coroa, passou a ser feita dentro das igrejas, com a colaboração dos presbíteros, mas durante muitos anos com a desconfiança dos respetivos bispos.
As festas do Espírito Santo no Arquipélago dos Açores enraizaram-se de tal modo nos corações dos açorianos, tendo sido levadas por estes para as Américas, acompanhando centenas de milhares de emigrantes das nossas ilhas. Por vezes, a Festa incorporava elementos oriundos das comunidades locais. Exemplo desta aculturação é o estudo feito pela Professora Doutora Célia Cármen Cordeiro sobre a Festa do Espírito Santo na cidade brasileira de S. Luís do Maranhão, na qual as mulheres negras têm um papel determinante nas cerimónias e festividades.
Outros estudos da Professora micaelense Célia Cármen Cordeiro:
• “A Memória Espiritual Ancestral das Caixeiras e o Divino Espírito Santo em São Luís do
Maranhão” in Utopia Global do Espírito Santo – Vol. II: Expressões Regionais e Projeções Globais.
Coleção de Estudos Globais. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020: 389-402.
• “As Mulheres e o Divino Espírito Santo na Ilha de Santa Catarina, Brasil” in Estudos sobre as Mulheres. Conhecimentos Itinerantes. Percursos Partilhados. E-book Org: Teresa Alvarez, Teresa Joaquim, Teresa Pinto. Lisboa: Cemri, Universidade Aberta & FCT, 2019: 54-58
As festas do Espírito Santo na Casa dos Açores do Norte
A primeira festa organizada pela Casa dos Açores do Norte teve lugar em 1988, tendo sido realizada a cerimónia religiosa na Igreja do Corpo Santo de Massarelos, e as “sopas do Espírito Santo” no edifício da Cruz Vermelha Portuguesa, na mesma paróquia. A intenção dos dirigentes da CAN foi sempre ir ao encontro de uma devoção muito querida do povo açoriano e, ao mesmo tempo, divulgá-la junto da comunidade envolvente.
Assim, esta festa, para além das tradicionais “sopas do Espírito Santo”, tem tido como ponto central a missa e a coroação, as quais têm sido realizada em várias igrejas, como, por exemplo, Capela das Almas, Igreja da Trindade, esta com o bispo D. Aurélio Granada Escudeiro. Este bispo também presidiu à maior Festa do Espírito Santo realizada no Porto, na Igreja do Seminário de Vilar, tendo as “sopas” sido realizadas no Pavilhão Rosa Mota, à moda das Flores e Corvo, e com a participação de mais de 600 pessoas, integrando um batalhão de ex-combatentes açorianos que tinha sido comandado, em Angola, pelo Coronel Mário Ponte, nosso falecido sócio honorário e presidente da Liga dos Combatentes.
Outras igrejas onde se realizaram as nossas Festas foram Nossa Senhora da Esperança, Capuchinhos de Gondomar, Santo Ildefonso, Perpétuo Socorro e Bonfim. Desde há alguns anos que a Festa tem sido realizada na Igreja do Bonfim e as “sopas” no Salão Nobre da junta de freguesia respectiva.
Também tivemos cá, a presidir às nossas Festas, o único bispo açoriano, D. António de Sousa Braga. Nota curiosa foi que este bispo contou o seguinte episódio denotativo da, por vezes, difícil relação do culto do Espírito Santo com a Igreja nos Açores.
Ia eu a descer a Rua da Sé, poucos dias após ter tomado posse como bispo da Diocese dos Açores, quando se aproximou de mim um homem que, com bons modos mas muito firme, disse-me: “Senhor bispo, venho cumprimenta-lo e desejar-lhe os maiores sucessos nestas novas funções, mas faço-lhe um aviso sério. NÃO SE META COM O ESPÍRITO SANTO!”
Aquando da realização da Festa do Espírito Santo à moda da Vila da Povoação, esta Câmara fez-se acompanhar pela respectiva banda de música, tendo as “sopas” sido realizadas no refeitório da Escola Dr. Augusto César Pires de Lima.
A propósito de bandas de música, convém registar que durante três anos a nossa Festa do Espírito Santo foi acompanhada pela Banda de Música de Alfena (Valongo), dirigida durante 35 anos pela maestrina Antonieta Moreira, a expensas do executivo da Junta de Freguesia do Bonfim. Desde 2018, a Banda Musical São Vicente de Alfena pertence aos Bombeiros Voluntários de Alfena e é dirigida pelo maestro Manuel Barros.
Os sete dons do Divino Espírito Santo:
Sabedoria
Entendimento
Conselho
Fortaleza
Ciência
Piedade
Temor
Alva pomba que meiga aparecestes
Ao Messias no rio Jordão, Estendei vossas asas celestes
Sobre os povos do orbe cristão.
Coro
Vinde, oh! Vinde, entre jovens de glória.
Entre os anjos e bênçãos de amor,
Entre os cantos de eterna vitória
Que os querubins vos elevam, Senhor.
Quem aos pobres seus braços estende,
Quem lhes veste seus ombros tão nus,
Achará que tudo isto só tende
Para a glória e honra da cruz.
Vinde, oh! Vinde, etc
Ofertai as mais belas oferendas, Ofertai-as em nome de Deus; olhareis lá um dia mil prendas
Quando entrardes no reino dos céus.
Vinde, oh! Vinde, etc.
Semeando vosso ouro entre os pobres.
A colheita no céu a fareis! O triunfo de esforços tão nobres
Só no seio de Deus achareis.
Vinde, oh! Vinde, etc.
Vinde irmãos, vinde todos contritos Uma esmola de- amor ofertar!
É dever consolar os aflitos,
E a fome do pobre matar!
Viride, oh! Vinde, etc.
Traga rosas e ramos de louro
Quem esmola melhor não tiver; Assim mesmo oferece um tesouro,
Ganhará o brasão desmoler!
Vinde, oh! Vinde, etc.
Letra de Read Cabral
Vem, Espírito Santo, enchei os corações dos Vossos fiéis e acendei neles o fogo do Vosso Amor. E renovai a face da terra.
(Da evocação litúrgica ao Espírito Santo)
Porto, 5 de junho de 2022
Dr. Rebelo – JMTR
Agradeço ao amigo Manuel Cramez as informações que me deu sobre as festas do Espírito Santo na CAN
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