Justiça brasileira considera “inconstitucional” alíquota de 25% de IR sobre aposentadoria recebida por residentes no exterior

Especialistas explicam que decisão do STF beneficia também comunidade luso-brasileira residente em Portugal; plenário entendeu que a regra fere o princípio da “isonomia tributária”

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Sede do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil, em Brasília
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O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil decidiu, no último dia 21/10, ser “inconstitucional a incidência da alíquota de 25% do Imposto de Renda na fonte sobre pensões e aposentadorias recebidas por brasileiros que residem no exterior”. A decisão, tomada em sessão virtual encerrada em 18/10, beneficia um grande número de brasileiros que residem em Portugal e que contavam com “um corte” de 25% dos seus rendimentos provenientes de aposentadoria. A ação estava em tribunal desde maio de 2021.

De acordo com o STF, este “tribunal, por unanimidade, (…) fixou a seguinte tese: É inconstitucional a sujeição, na forma do art. 7º da Lei nº 9.779/99, com a redação conferida pela Lei nº 13.315/16, dos rendimentos de aposentadoria e de pensão pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento), nos termos do voto do Relator”.

A alíquota de 25% foi estabelecida na Lei 9.779/1999, com a redação dada pela Lei 13.315/2016. O caso julgado pelo STF teve início com uma ação movida por uma cidadã brasileira residente em Portugal que recebia um salário mínimo de aposentadoria pelo Regime Geral da Previdência Social. A Turma Recursal do Juizado Especial Federal da 4ª Região declarou “inconstitucional” a incidência dessa alíquota e determinou a aplicação da tabela de alíquotas progressivas, prevista na redação atual da Lei 11.482/2007.

No STF, a União sustentou que a diferença de tratamento “não se dá em razão de função profissional, classe ou valor econômico, mas de questão territorial, uma vez que a Fazenda Nacional brasileira não tem poderes em território estrangeiro”. Segundo este argumento, a alíquota de 25% está fundada no facto de que “a tributação é feita exclusivamente na fonte, pois o contribuinte não tem de apresentar declaração de ajuste anual no Brasil”.

No seu voto, o ministro Dias Toffoli, relator, afirmou que a alíquota de 25% sobre pensões e aposentadorias de residentes no exterior “viola os princípios da progressividade do Imposto de Renda e da vedação do não confisco”. Na opinião deste ministro brasileiro, “a alíquota única não leva em conta que as aposentadorias e as pensões são, em regra, as principais fontes de renda de quem as recebe, além de incidir sobre a totalidade dos rendimentos, e não apenas sobre a parcela que supera a faixa de isenção da tabela do Imposto de Renda aplicada aos residentes no país”.

Ainda na avaliação do relator, “a regra também viola os princípios da isonomia, da proporcionalidade e da capacidade contributiva”, já que, “quem mora no país está sujeito à tabela progressiva do Imposto de Renda e pode fazer deduções na declaração anual, reduzindo a carga do imposto, os residentes no exterior ficam sujeitos a uma única e alta alíquota de 25% sobre o total dos rendimentos, sem nenhuma dedução”.

Caso luso-brasileiro

Para Paulo Porto Fernandes, advogado luso-brasileiro em atuação em Portugal e antigo deputado à Assembleia da República de Portugal, “após os trâmites de publicação do acórdão pelo STF e normatização pela Receita Federal brasileira, a decisão deve beneficiar todos os contribuintes que se enquadram nesta situação, bem como aos que recolheram o imposto sob esta incidência nos últimos cinco anos, desde que estes cidadãos sejam “não residentes”, ou seja, desde que tenham feito a declaração de saída definitiva do Brasil”.

“Em relação ao Brasil e a Portugal, esta questão poderia ter sido tratada na XIII Cimeira Luso-Brasileira, entretanto sequer houve pauta no âmbito da Segurança Social nesta oportunidade, muito embora o Grupo Parlamentar Partido Socialista, do qual tive a honra de integrar, tivesse apresentado esta sugestão antes do final da XIV Legislatura, haja vista ser este um pleito muito recorrente, premente e que traria justiça à comunidade luso-brasileira que vive esta realidade, mas felizmente esta inconstitucionalidade foi sanada através desta recente decisão e a justiça foi feita”, reiterou Paulo Porto Fernandes.

Por sua vez, Claúdio Valença Motta, presidente do Conselho Empresarial de Relações Internacionais da Associação Comercial e Empresarial de Minas Gerais e conselheiro da Câmara Portuguesa de Minas Gerais, no Brasil, sublinha que o julgamento ficou marcado pelo tema ter sido julgado inconstitucional com base nos 25% e alegou que as cobranças vão ser paralisadas, “sendo os valores tributados pela tabela progressiva, como todo brasileiro”.

“A Receita Federal provavelmente vai tentar algum procedimento, mas será preciso aguardar. Os contribuintes poderão recuperar a tributação dos últimos cinco anos, não sujeitos a precatório. Quem extrapolar os valores mínimos deverá demandar na Justiça Federal, mas a grande maioria será via Juizado Especial Federal (60 salários mínimos) de limite para este juizado”, frisou.

Ação arrasta-se há anos nos tribunais brasileiros

Em declarações à nossa reportagem, Eduardo Neves Moreira, vice-presidente da Academia Luso-Brasileira de Letras, ex-deputado na Assembleia da República portuguesa e ex-presidente do Conselho Permanente das Comunidades Portuguesas (CP-CCP), conhecido por ser um dos defensores do término dessa dupla tributação, sobretudo no caso luso-brasileiro, disse que esta “luta acontece há cerca de seis anos” e visa “eliminar a injusta cobrança de 25% de imposto de renda na fonte que vem incidindo sobre todas as aposentadorias e pensões concedidas no Brasil e pagas em Portugal”.

“Tal cobrança, além de ser injusta e discriminatória, contraria o Acordo de Seguridade Social existente entre o Brasil e Portugal e que vem penalizando milhares de aposentados e pensionistas do Brasil residentes em Portugal”, questionou Eduardo Neves Moreira, que, este ano, durante as celebrações do dia 7 de setembro, promovidas pela Embaixada do Brasil em Portugal, voltou a defender a sua discussão no âmbito da próxima Cimeira Luso-Brasileira”.

“Em 2016, o governo brasileiro promulgou a Lei 13.315, que determinou que todas as aposentadoria e pensões pagas no exterior, passassem a ser classificadas como remessa de divisas para o estrangeiro, impondo a tributação sobre o valor desses proventos com a alíquota de 25% sobre o seu valor.  Tal facto causou estranheza, pois até então tais valores eram submetidos à tabela progressiva do imposto de renda na fonte incidente sobre os rendimentos do trabalho. Quando a referida lei entrou em vigor, alguns países questionaram essa tributação sob a alegação de que a Convenção para Evitar a Dupla Tributação mantida entre eles e o Brasil, determinava que tais valores deveriam ser cobrados com exclusividade pelo país de destino do beneficiário, o que levou as autoridades brasileiras a suspender tal cobrança para os citados países, causando uma situação discriminatória com os demais países, que não mantinham a referida Convenção com o Brasil nem aqueles cuja Convenção previa a cobrança, com exclusividade, no país de origem dos rendimentos”, explicou Eduardo, que recorda que a lei contrariava o estipulado no “Acordo de Seguridade Social mantido entre Brasil e Portugal, que prevê o respeito às isenções concedidas no país de concessão pelo país de destino”, o que “não foi respeitado”.

Eduardo Moreira narrou que, diante destas informações, “procurei as autoridades brasileiras junto ao Ministério de Relações Exteriores (Itamarati), sendo observado que entre Brasil e Portugal, historicamente, um brasileiro residente em Portugal ou um português residente no Brasil, sempre tinham algum privilégio sobre os demais estrangeiros, o que não estava agora a ocorrer para os beneficiários de aposentadoria ou pensão concedidas no Brasil, residentes em Portugal e que para lá transferiam a percepção de seus proventos. Para corrigir isto, havia dois caminhos: a abertura de uma demanda judicial ou a alteração de Convenção para Evitar a Dupla Tributação com Portugal, recorrendo à figura de lhe ser dado um tratamento isonómico. Como a cobrança estava a atingir aqueles que residiam em Portugal, cabia ao governo português apresentar o questionamento ao Brasil, visando à necessária correção”.

“Procurei o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, que se mostrou sensível ao problema e, após troca de informações, foi apresentado o necessário questionamento ao Estado Brasileiro, visando à solução para o problema. No entanto, como o assunto deveria ser discutido numa Cimeira Luso-Brasileira e esta foi sendo adiada pelo Brasil durante vários anos, somente em abril deste ano é que foi realizada, em Lisboa, oportunidade em que o assunto, embora constante da pauta do encontro, não foi discutido diante de um pedido de adiamento por parte da Receita Federal do Brasil e, mais uma vez, a injusta cobrança continuou a ser mantida, penalizando, mensalmente, inúmeros beneficiários”, confirmou Eduardo, recordando que a exclusão dessa tributação foi, enfim, tratada no STF.

“Ainda persistem algumas dúvidas a respeito, apesar de que a decisão do STF tem repercussão geral, pois ficamos sem saber se, de pronto, a cobrança deixará de existir para todos ou se apenas beneficiará aqueles que a questionaram. A melhor solução para o assunto seria o Governo Brasileiro apresentar uma medida judicial, alterando a Lei 13.315, no que diz respeito a este tema, evitando assim a demora decorrente de novas decisões, postergando a aplicação da decisão do STF. Temos a expetativa de que isto possa ocorrer, como medida justa e de atendimento a todos, pois a grande maioria dos atingidos pela tributação injusta e, agora, indevida, são pessoas de reduzido poder aquisitivo e com a consequente dificuldade de recorrer ao judiciário. Enfim, depois de muita luta, a justiça está sendo feita”, finalizou Eduardo Neves Moreira.

Atualmente, Portugal não está a divulgar publicamente a quantidade específica de brasileiros que residem no país ao abrigo do visto D7, voltado para aposentados e titulares de rendimentos próprios. Este tipo de visto é muito utilizado entre os aposentados brasileiros devido aos requisitos de comprovação de rendimentos. De acordo com o extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), órgão que foi substituído pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), a população brasileira é a maior entre os estrangeiros nesse país europeu.

Em discussões recentes, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) de Portugal defendeu que os brasileiros que são residentes fiscais no país deveriam ser tributados conforme as regras locais. ■

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