“Eu me preocupo com ainda fragilidades da lei de nacionalidade”

Leandro Damasceno, candidato do Volt pelo círculo de Fora da Europa

0
1190
Leandro da Mota Damasceno
- Publicidade -

Leandro da Mota Damasceno tem 43 de idade e é natural do Rio de Janeiro, Brasil. É candidato pelo Volt Portugal a deputado à Assembleia da República pelo Círculo de Fora da Europa.

Conversamos com este candidato sobre as linhas que pretende seguir, caso seja eleito.

O que está a impulsionar a sua candidatura?

A necessidade de mudança e inovação política. Eu me preocupo com ainda fragilidades da lei de nacionalidade, assim como oportunidades perdidas pelas comunidades e por Portugal. Além de burocracias que impedem o exercício da cidadania, principalmente fora de Portugal. Por isso, me juntei ao Volt, um partido pan-europeu, federalista, progressista e inovador. O português da diáspora possui mais de uma identidade cultural e enxerga Portugal como a entrada para a Europa, mesmo morando lá. Por estar de fora, enxerga um todo. O Volt permite isso, e ter discussões internas com outros países, alinhando as políticas públicas. Volt não é apenas um partido, mas uma rede. Uma “network”, se preferir.

Como avalia o cenário político atual em Portugal?

Hoje está conturbado, previsível pelo facto de a Assembleia ter uma composição ainda maioritária dos dois partidos principais, PS e PSD, mas imprevisível pela ascensão dos partidos novos, como o próprio Volt, e pelo fim da geringonça. É possível também que o próximo governo venha do PSD, mas com deputados diferentes das Legislativas de 2019, por serem, em maioria, candidatos novos. Outra coisa que me preocupa é o crescimento do Chega e da extrema-direita em Portugal. Embora estejam longe de serem maioria, não gosto da ideia de que pessoas concordem com suas pautas.

Que políticas pensa serem necessárias para a comunidade portuguesa que reside fora de Portugal?

Em primeiro lugar, a revogação do Art. 14 da lei de nacionalidade, permitindo, enfim, que reconhecidos pelo pai português na maioridade tenha direito à nacionalidade, assim como seus antepassados na mesma situação. Muitas pessoas têm direito a isso, e muitas vezes são nossos amigos e primos. Há outras pautas urgente a serem tratadas. É necessário ter reformulação no serviço consular. Precisamos também de políticas de incentivo económico, que atraiam investidores e empreenderes mais ousados em Portugal. Duas formas que vejo isso é a de incentivos de empresas de diferentes comunidades portuguesas (Brasil, Israel, Macau (China), EUA, México, Colômbia e outras) fazendo negócios entre si e utilizando Portugal como hub e porta de entrada para a Europa. Isso não só promoveria integração e crescimento económico entre as comunidades, como Portugal seria a maior beneficiada. Também defendo políticas agressivas de incentivo empresarial tanto para Portugueses quanto para investidores de Golden Visa para quem foquem em empreendedorismo e geração de empregos ao invés de apenas especulação imobiliária.

Que dificuldades devem ser combatidas e que pontos merecem ser reforçados?

Além de burocracias que impedem o exercício da cidadania tanto fora de Portugal quanto pelos imigrantes. Temos dificuldade com os votos e comunicação dos candidatos. Mesmo divulgação de cabeças de lista por parte do governo é lenta. E a cada tipo de eleição temos regras diferentes. Fora isso, normalmente o português da diáspora tem dificuldade de aceitar esse exercício de cidadania, vendo a realidade política portuguesa muito distante da dele. E, para piorar, a maioria nem sabe que temos dois deputados pelo círculo de fora da Europa. Outra questão é a falta de recenseamento. Por exemplo, em Israel, devido ao consulado não ter estrutura adequada, somente sete mil de potencialmente mais de 20 mil eleitores foram recenseados por falta de horário para fazer o primeiro cartão do cidadão. Muitos israelenses precisam viajar para Portugal, no meio de uma pandemia e voos reduzidos ou interrompidos, para realizar essa parte burocrática. Temos também que os partidos grandes têm a sua própria agenda e nem sempre as causas são compatíveis com a população da diáspora. A maioria dos portugueses residente em Portugal não conhece a nossa realidade, e menos ainda a classe política em geral. Por isso, é difícil sensibilizar em alguns temas importantes, como a melhora dos serviços consulares, que precisam de um choque vindo de uma lei da Assembleia, e não uma política de gestão do executivo. Em particular, me preocupa a repercussão negativa que a lei de nacionalidade para origem sefardita por conta de uma falta de entendimento pública dessa lei. Fico assustado em ver comentários negativos e às vezes preconceituoso contra as pessoas que usufruem dela. É preciso combater o preconceito, não importa contra quem e de onde venha.

Quais são os seus objetivos?

Eu tenho por objetivo ser uma força de mudança na Assembleia. Existem muitos deputados em diferentes correntes que defendem as minhas ideias, então, acredito que será possível formar alianças que favoreçam a população fora da Europa. Pretendo também enfrentar preconceitos e trabalhar com instituições para auxiliar na inserção de pessoas de diferentes nacionalidades em Portugal. Existem barreiras culturais, linguísticas (nós brasileiros não temos, mas os luso-americanos reclamam muito), além de propagar a cultura portuguesa pelo mundo através das suas comunidades novas e históricas. Pretendo representar de forma inovadora as comunidades fora da Europa através de um mandato participativo, aberto e digital. E sempre atualizando com as demandas, ouvindo de todas as regiões. Quero manter contato com Macau, Goa, os países africanos e as comunidades do continente americano. E sendo o primeiro candidato de origem sefardita, quero também representar essa população tão diversa, claro. Não esquecendo as outras, que são de fundamental importância, mas apenas quero reforçar que esta pela primeira vez terá alguém que se importa com ela de verdade.

Que temas mais lhe chamam a atenção?

Um tema crucial é a revogação do Art. 14 da lei de nacionalidade, permitindo que finalmente filhos de portugueses reconhecidos na maioridade tenham direito à nacionalidade. O Art. 14 somente permite para filhos reconhecidos na menoridade. Além de não fazer sentido, esse artigo viola várias leis, inclusive a Constituição portuguesa. Vários outros países não possuem cláusulas assim, como Itália, Espanha, França e Alemanha. Tenho também uma enorme preocupação com os últimos debates sobre a lei de nacionalidade sefardita. Por conta de a lei ser incomum, é de se esperar que a população portuguesa residente não entenda bem como funciona. Além disso, há pessoas na Assembleia e no governo que ou não são favoráveis a ela ou acham que facilita muito a entrada. Eu entendo que da parte da certificação há uma desconfiança, que aumentou com o caso de Roman Abramovich. Hoje, essas comunidades não sofrem auditoria, mas tenho certeza por ter trabalhado com elas que fazem um excelente papel. Acredito que elas deveriam ter algum tipo de auditoria ou órgão oficial de supervisão, apenas para que tragam uma confiança maior para a população. Eu também acredito que outras comunidades poderiam ser certificadoras, mas entendo que não estavam prontas quando da lei. Eu particularmente tenho apreço à comunidade de Belmonte, onde nasceu Pedro Alvares Cabral, e a única comunidade que conseguiu se manter em Portugal. É uma comunidade com uma bela história, assim como a CIP, com a criação pelo Capitão Barros Basto, que se encontrou no judaísmo para encontrar outros judeus no país. Vejo urgência também na aproximação das comunidades portuguesas entre si, além de uma aproximação maior com Portugal. Isso é fundamental para o desenvolvimento económico delas. Além disso, é fundamental que um deputado eleito pelo círculo de fora da Europa mantenha contato permanente com essas comunidades, e que tenha um mandato participativo, de forma que discussões sejam abertas. Acredito muito em crowdsourcing de ideias e debates para a criação de legislação, e pretendo implementar isso. Os serviços consulares também precisam de atenção urgente. Temos vários países que têm tido dificuldade para atender as demandas dos cidadãos. Precisamos melhorar isso com urgência.

O que pode ser feito no sentido de se valorizar o trabalho consular português no estrangeiro?

Hoje, os serviços consulares funcionam com base nas orientações do executivo. As políticas públicas estabelecidas em lei são frágeis para a sua gestão, pra dizer o mínimo. É necessário que a qualidade dos serviços consulares seja política de estado e não de governo. Por isso, é necessário que haja maior contratação de funcionários, com quantitativo de pessoal adequado estabelecido em lei, e critérios de desempenho de forma igual. Isso garante que o executivo mantenha a qualidade. Embora o consulado do Rio de Janeiro seja um exemplo até para consulados de outros países, em outras cidades do Brasil e até em regiões do mundo que são consideradas privilegiadas, os serviços são ruins, com pouco pessoal e dificuldade de agendamento. Com a pandemia e a dificuldade de viajar, até mesmo os portugueses que moram na Europa passaram a sentir na pele esses problemas, uma vez que passaram a usar mais os serviços consulares. E, com isso, vimos que até postos A, como Londres, têm dificuldades grandes. Precisamos investir na infraestrutura e mais: integrar os consulados em tempo real à base do IRN. Consulados precisam ter autonomia e capacidade de funcionamento como conservatórias e juntas de freguesia, para ganho de agilidade. Um exemplo que gosto de citar é Tel Aviv, onde temos menos de 1/3 de eleitores por conta da dificuldade de se emitir o cartão do cidadão.

Qual a importância do movimento associativo português nos países de acolhimento?

Fundamental, assim como acredito em associações de acolhimento em Portugal para portugueses e imigrantes de outros países. Não apenas associações de acolhimento, mas instituições mais sofisticadas e atuações ousadas, como “headhunting” e “placement”. As associações nos países de acolhimento são uma parte importante para a criação de um capital social, mas hoje muitas estão com dificuldade de manutenção. O mundo ficou mais complexo, a construção de capital social também. É preciso incentivo para que algumas dessas associações se reinventem, e que outras, com outros modelos, sejam criadas. Inclusive acredito que seja necessário criar algumas que dialoguem com outras comunidades pelo planeta, assim como com Portugal. Eu gosto da ideia de coworkings de língua portuguesa pelo mundo, funcionando em parceria e apoio de embaixadas e consulados, e de movimentos associativos locais.

O ensino da língua portuguesa deve sofrer alterações?

Sem dúvida. Acredito na expansão do sistema Camões, e da criação de uma parceria entre os países de língua portuguesa, talvez através da CPLP, para financiar esse sistema e divulgar a língua em outros países. O Brasil possui uma vantagem linguística, assim como Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Mas países como EUA, Israel, Colômbia, México, India e até a China possuem populações portuguesas que estão perdendo a língua e a cultura, ou já não têm mais acesso há gerações. Conversando com pessoas desses países, em especial nos EUA, eu senti que há essa necessidade de volta às origens e apender português. Por exemplo, o português é considerado uma língua legítima e histórica das comunidades judaicas sefarditas ou mesmo aquelas que se reconhecem como especificamente portuguesas, como vemos na Holanda e alguns grupos no Reino Unido. Para muitas dessas comunidades, português e espanhol são uma língua de tanto ou mais valor histórico e de coração que o hebraico. Uma rede de ensino grande e forte, tanto de língua quanto propagador das culturas de origem portuguesa, como o Instituto Cervantes e Alliance Française realizam nos seus respetivos países, é fundamental para valorizar essas comunidades internacionalmente e aproxima-las de Portugal. Além disso, é de fundamental importância que Portugal aumente seu “soft power” globalmente.

Que linhas pretende seguir em relação às comunidades portuguesas caso seja eleito?

Estou já desenvolvendo com a minha equipa de campanha a criação de uma rede de contato direto com todas as comunidades. Hoje, e sempre, os deputados do círculo de fora da Europa se preocupam somente com instituições e alguns clubes, e isso não atinge o português em geral. Além disso, fazem mais visitas e contatos somente nos períodos de eleição. Por isso, quero criar um serviço a utilizar redes sociais e uma plataforma para contato direto com a população de cada uma dessas comunidades, tendo representantes em cada uma delas, além de ter gente oriunda delas na equipa de gestão. Eu já fiz parte de movimentos globais como Pecha Kucha Night, Creative Mornings, tendo parceria com o Studio-X que são laboratórios espalhados pelo mundo da escola de arquitetura da Columbia University, e agora sou do Volt. Eu vi como essas plataformas funcionam muito bem e acredito que são o futuro para deputados de fora da Europa. As necessidades vão mudando, e é importante ter contato e inspiração dessas comunidades, assim como acredito ser fundamental que dialoguem entre si.

O que a comunidade portuguesa deve esperar das eleições de janeiro?

Espere o inesperado. Acredito que movimentos positivos que já estavam em andamento ocorram, mas acredito que com uma Assembleia nova, novas questões irão surgir. Talvez algumas desagradáveis. Eu quero estar lá para não apenas apoiar as questões boas que já andavam, mas criar novas e frear as ruins.

Por fim, que mensagem deixa para os eleitores?

É um prazer participar deste desafio, e a cada dia estou aprendendo mais com as pessoas que estão lutando pelas mais diversas causas. Estou me engrandecendo e melhorando como pessoa graças a vocês. E a cada dia conheço mais gente incrível que também é portuguesa como eu, vivendo em culturas diversas. Quero poder representar vocês, e tenho o maior orgulho de fazer parte dessa imensa família global. Espero que possamos nos unir cada vez mais. Quem quiser conversar comigo, estou no Instagram como @leandrodamota16.volt, e no Twitter como @leandrodamota16. O 16 é pelo meu número na célula. Venham debater e me apresentem ideias que acreditem que sejam importantes para vocês, seus amigos e suas famílias. A ave de Portugal é a andorinha. E andorinha sozinha não faz verão. Vamos fazer esse verão juntos! ■

- Publicidade -

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui