Controvérsias sobre o Regime de Reciprocidade entre a OAB e a OA

"as relações centenárias entre Brasil e Portugal não podem ser maculadas por conta de eventual falta de diálogo ou “ruídos” na comunicação entre os interlocutores"

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Paulo Porto Fernandes, advogado luso-brasileiro em atuação entre Brasil e Portugal
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É fato notório que advogados que atuam entre Brasil e Portugal sempre defenderam ser necessário apostar na atualização e adaptação ao sistema jurídico, destinadas aos advogados brasileiros e portugueses que decidem atuar profissionalmente ao abrigo do regime de reciprocidade entre a Ordem dos Advogados do Brasil e a Ordem dos Advogados Portugueses, sendo assim, poderíamos até considerar que seria importante apostar, no que já referi em artigos anteriores – “reciprocidade estruturada” -, onde uma formação complementar poderia assegurar uma melhor execução do trabalho do advogado formado no Brasil no mercado da advocacia em Portugal, bem como do advogado formado em Portugal a atuar no Brasil, sempre com foco no conhecimento da legislação local e na adaptação à forma de atuação junto aos respectivos tribunais e demais órgãos públicos, dando a conhecer as semelhanças e diferenças do modo de trabalho dos operadores do direito nestes países.

Considerando o valoroso intercâmbio de experiência e conhecimento na área jurídica entre os profissionais que atuam entre os dois países, bem como o importante reforço na contribuição junto à Caixa de Previdência dos Advogados por parte destes, seria expectável que fosse aprimorado e solidificado o regime de reciprocidade, no sentido de corrigir eventuais desvios e reforçar as relações institucionais, entretanto, advogados que atuam entre os dois países foram surpreendidos com uma decisão unilateral da Conselho Geral da Ordem dos Advogados Portugueses, decorrente de uma reunião ocorrida em 03 de julho de 2023, onde foi deliberado, conforme divulgado pela OA: “por unanimidade dos presentes, fazer cessar o regime de reciprocidade de inscrição de Advogados(as) atualmente em vigor, com efeitos a partir de 5 de julho de 2023”, a nota não menciona quantos conselheiros estavam presentes e quando foi convocada esta reunião para o efeito, mas justifica que, “na medida em que apenas tal cessação se apresenta como suscetível de colmatar as preocupações conjuntamente identificadas e acima elencadas, mas tendo sido deliberado que se promova a adaptação da respectiva regulamentação interna referente à inscrição de Advogados, em conformidade com o ora decidido, salvaguardando-se, contudo, os processos de inscrição que se encontrem em curso ao abrigo do regime de reciprocidade”.

Do outro lado, através de comunicado divulgado em 4 de julho, a OAB através do seu presidente afirma que “O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi surpreendido, nesta terça-feira (4/7), pela decisão da Ordem dos Advogados Portugueses (OAP) de romper, unilateralmente, o acordo de reciprocidade que permita a inscrição de advogados brasileiros nos quadros de Portugal e vice-versa”, e, ao final, conclui que “a OAB tomará todas as medidas cabíveis para defender os direitos dos profissionais brasileiros aptos a advogar em Portugal ou que façam jus a qualquer benefício decorrente do convênio do qual a Ordem portuguesa está retirando. Paralelamente, a Ordem dos Advogados do Brasil buscará a retomada do diálogo, respeitando a autonomia da Ordem dos Advogados Portugueses (…)”.

Diante das controvérsias, não obstante ao fato de não estar em causa a preservação dos direitos adquiridos e prerrogativas dos profissionais regularmente inscritos ao abrigo de regime de reciprocidade, bem como em relação aos direitos dos cidadãos que estes representam, o que causou espécie foi o fato de que já estava em curso o diálogo entre as Ordens profissionais para que houvesse o aprimoramento deste regime, que vigora desde 2008, porquanto, a expectativa é a de que o diálogo não seja rompido e as partes possam chegar a “bom porto”, pois as relações centenárias entre Brasil e Portugal não podem ser maculadas por conta de eventual falta de diálogo ou “ruídos” na comunicação entre os interlocutores, os quais sempre tiveram as melhores relações de cooperação e amizade. ■

Dr. Paulo Porto Fernandes

Advogado com atuação em Portugal e no Brasil

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2 COMENTÁRIOS

  1. Prezado Dr. Paulo Porto,

    Lamentei muitíssimo o teor das comunicações mas, como o Dr. bem reparou, a OAB deixou a porta aberta para retomada do diálogo entre as centenárias instituições. Infelizmente não vimos semelhante teor ou “portas abertas” a uma continuidade de comunicações por parte do conselho da OAP.

    Importante que mencione que, diferente da OAB, em comunicado assinado pelo seu presidente, Beto Simonetti, a comunicação da OAP parte de um colegiado (Conselho Geral). Como bem mencionado pelo Sr, não existem ainda informações sobre quem estava presente, quais foram os votos e teor deles. Eventualmente saberemos.

    Creio ser importante aqui relembrar que, recentemente, a OAP tem sido pressionada em diferentes frentes:
    1) Na gestão do fundo de reforma dos advogados e eventual apoio governamental durante a crise da COVID-19, que não ocorreu;
    2) No desafio frente à recente tentativa de redução das prerrogativas dos advogados portugueses, permitindo que determinados atos, atualmente exclusivos aos advogados portugueses, deixem de ser exclusivos;
    3) Ao desafio do clamor de parcela do advogados portugueses que encara com preocupação o aumento significativo do número de inscrições de advogados brasileiros na OAP;

    São, por amostragem, assuntos importantes que, obviamente, merecem atenção e respostas equilibradas por parte da OAP. Infelizmente, pelo teor do comunicado de 4-jul, não foi o que ocorreu entre as duas entidades, chegando a ponto, chego a mencionar, de uma verdadeira “lavação pública de roupa suja” entre as duas entidades.

    Lamento, entretanto, enquanto estudante do direito, alguns termos usados na comunicação da OAP, ao menosprezar a história do direito, tão estudada nos centros acadêmicos de ambos países, indicando inexistência de “matriz base” e evolução, “em sentidos opostos”, nos ordenamentos jurídicos de ambos países, falta de equiparação de normas jurídicas, diferenças significativas nas normas e práticas jurídicas de ambos países, formalismos judiciais, etc.

    Ao evidenciar, com propriedade, as dificuldades práticas de advogados portugueses e brasileiros nas atividades desenvolvidas no país-irmão, ao invés de buscar e incentivar soluções, seguiram a rota fácil de fechar as portas, quase que assumindo a falta de competência para buscar soluções para simples problemas cotidianos da advocacia, justificadas como “de elevada complexidade técnica”. Ao invés de buscar a proximidade fraterna (esperada), preferiram o afastamento permanente.

    Lamentei muito o que li, de ambos lados, principalmente pela reação da OAB que dá a entender que o silêncio da Ordem Brasileira se deu por demandas desequilibradas realizadas pela OAP, principalmente quando utiliza termos como “discriminação e preconceito contra advogadas e advogados brasileiros” e “mentalidade colonial já foi derrotada e só encontra lugar nos livros de história”. Pareceu-me que a(s) equipe(s) responsáveis pelas conversas nada entendem de política de boa vizinhança ou diplomacia e isto foi diretamente refletido nas manifestações das instituições. Desnecessário apontar a importância de cada uma das ordens de advogados nos cenários nacionais de cada uma das duas nações e no bom relacionamento institucional dos dois governos.

    Vale lembrar, inclusive, que Portugal foi o primeiro ponto de desembarque e visita do presidente Lula à Europa, em seu atual mandato, de forma exibir a inequívoca importância de Portugal para o novo governo brasileiro, fortalecendo as relações institucionais entre nossos países. Então, a atitude unilateral da OAP, segue em sentido diametralmente oposto às ações institucionais de ambos governos.

    De forma positiva, fica clara, apesar de falas duras, que a OAB não fechou as portas e está disposta a retornar à mesa de debates, buscando equilíbrio e soluções que, de forma parcimoniosa, atendam a ambos países (mais do que a ambas instituições).

    Contamos com Luso-brasileiros como o Sr., que mantém o coração (e razão) nos dois países para auxiliar que eventuais rusgas sejam rapidamente sanadas.

    Talvez seja importante relembrar à CGOAP que, politicamente e na diplomacia, algumas vezes, dependendo da proposta ou do teor da comunicação, vale mais a pena deixar de responder ou manter-se calado do que responder adequadamente, arriscando a escalar ainda mais um problema existente. Ao reclamar da falta de resposta da OAB, a CGOAP não esclarece as propostas ou demandas realizadas à OAB para continuidade do acordo de reciprocidade.

    Espero e torço que as eventuais dissonâncias de comunicação entre as diferentes instituições sejam solucionadas rapidamente e que voltemos às boas relações institucionais, que só engrandecem as relações destas duas grandes nações.

    Carlos Vasconcellos

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