Gonçalo Motta é o atual Cônsul-Geral de Portugal em Zurique, nomeado a 28 de março de 2023, mas em funções desde o dia 3 de janeiro. O Gazeta Lusófona entrevistou o novo Cônsul e dá a conhecer aos leitores o seu percurso profissional, assim como as suas ideias para o novo desafio que passa pelo contacto mais próximo com a comunidade portuguesa residente na Suíça, em especial em Zurique.
Gonçalo Motta, natural de Lisboa, nasceu em 1978. É licenciado em Relações Internacionais, ramo político-económico, pela Universidade Lusíada de Lisboa, e pós-graduado em Teoria e Práticas Diplomáticas pela mesma Universidade.
Foi aprovado no concurso de admissão aos lugares de adido de embaixada, aberto em 15 de dezembro de 2005 e colocado na Secretaria de Estado do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) em 24 de janeiro de 2007, na Direção Geral de Assuntos Técnicos e Económicos, com a tarefa de acompanhar, entre outros, os assuntos dos Oceanos e Direito Mar. Durante este período, foi Copresidente do grupo de trabalho informal das Nações Unidas sobre o processo regular de avaliação do estado global do meio marinho (World Oceans Assessment), em abril de 2012.
Foi colocado na Embaixada em Brasília, em 10 de agosto de 2012, onde assumiu funções como Encarregado da Secção Consular. Regressou a Lisboa em 1 de setembro de 2016, tendo sido colocado no Gabinete do Diretor Geral de Política Externa.
Assumiu a Chefia da Divisão Oceanos, Ambiente, Energia, do Desenvolvimento Sustentável e das Organizações Económicas, Técnicas e Científicas, integrado na Direção de Serviços das Organizações Económicas Internacionais da Direção-Geral de Política Externa, em 1 de setembro de 2017. Durante este período, foi também ponto focal do MNE para a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (dimensão interna). Durante a Presidência Portuguesa da União Europeia, no primeiro semestre de 2021, presidiu ao Grupo de Trabalho do Conselho sobre Oceanos e Direito do Mar (COMAR).
Foi colocado na Missão Permanente de Portugal junto das Nações Unidas e outras Organizações Internacionais (NUOI), em Genebra, em 24 de agosto de 2021, responsável pelos assuntos dos Direitos Humanos.
Como vê a Suíça como país que tem mais de 250 mil portugueses?
É um país formidável, moldado pela negação da influência exterior, mas ainda assim, aberto ao estrangeiro que vem e contribui para o crescimento e desenvolvimento da Confederação. Quem vem por bem, é bem recebido, e os portugueses são um dos melhores exemplos de integração na sociedade deste país. A Suíça é um país que, em alguns aspetos, é parecido com Portugal. Se não fosse assim, os Portugueses não se sentiriam em casa e a expressão da fixação portuguesa seria bem menor.
Quantos portugueses vivem em Zurique e a sua expressão no cantão acolhedor?
Hoje em dia, são mais de 260 mil almas e é difícil passar um dia sem encontrarmos conterrâneos. O cantão de Zurique é dos mais dinâmicos da Confederação, talvez por isso, também, um dos mais caros para residir. Se existem muitas oportunidades para a comunidade portuguesa, existem também muitos desafios com os quais os portugueses aqui residentes têm de lidar para serem bem-sucedidos. Se o esforço, dedicação e lealdade são características do Português, é necessário associar a estas valências, outras como o domínio do alemão local e capacidade de adaptação à cultura de trabalho desta região.
Como descreve a comunidade portuguesa, ao longo das últimas décadas, na Suíça?
Muitos vieram ao longo do último quartel do Século XX, à procura de uma vida melhor. Cheios de esperança, portugueses dos quatro quadrantes aventuraram-se na emigração para a Suíça e hoje fazem parte do sucesso económico deste país. Outros vieram mais recentemente e encontraram um país que já se habituara aos portugueses e à forma briosa, leal e abnegada como trabalham e constroem as suas vidas – somos já a terceira maior comunidade estrangeira, apenas atrás dos vizinhos Alemanha e Itália. Por isso, não surpreende que, na década passada, em média, 42,7% dos nacionais nascidos neste país solicitaram a naturalização suíça. Contudo, muitos ainda optam por regressar ao nosso país e as estatísticas mais recentes comprovam-no. Voltar à Pátria ainda é a vontade de muitos que cá estão.
Sente que a comunidade portuguesa, atualmente, integra outro tipo de oportunidades além das atividades do setor primário como acontecia no último quartel do século XX?
Absolutamente. A comunidade portuguesa está hoje mais dispersa pelos diversos setores da economia suíça. Estatisticamente falando, permanece uma concentração previsível de portugueses no setor primário, suplementada pelas novas gerações de luso-suíços que ocupam lugares nos setores secundário e terciário. Este contingente foi reforçado por migrações recentes – por exemplo, dos anos 2008-2015 – que trouxeram para a Suíça quantidades razoáveis de portugueses qualificados à procura de oportunidade de trabalho, predominantemente nestes dois setores. Deste modo, a estratificação da comunidade portuguesa foi-se alterando nestes últimos 15/20 anos. Nas primeiras vagas migratórias, os portugueses encontraram oportunidades de emprego principalmente nos setores primário e secundário, ocupando-se na agricultura, na indústria e na construção civil. Houve ainda alguns que integraram o setor hoteleiro e a restauração, ora empregados, ora por conta própria. Mais recentemente, tem sido o setor terciário a absorver uma boa parte da nova emigração, com muitos portugueses a encontrar emprego nos setores financeiro, farmacêutico, energético, entre outros. E temos alguns cujo nível de integração é tal que já fazem parte da administração e governos cantonais na Suíça.
Além do associativismo, muitos portugueses estão inseridos no meio académico, científico, cultural, social e empresarial. Como pensa colaborar com todos eles?
De forma integrada e dedicada. Por um lado, é importante que os portugueses se conheçam e, por isso, estamos a pensar em eventos que congreguem e valorizem a comunidade. Por outro lado, estamos a estudar formas de continuar a colaborar com portugueses dos diferentes meios para elevar o seu perfil e de Portugal nestas áreas. O meu antecessor, Paulo Maia e Silva, fez um trabalho impressionante de contacto com a comunidade portuguesa, que seria um desperdício não dar seguimento. Contudo, é ao associativismo que daremos maior atenção, pois este constitui uma das mais importantes formas de organização social e um instrumento privilegiado para a satisfação das necessidades do ser humano, nas suas mais diversas manifestações sociais, educativas, recreativas, culturais, políticas e económicas.
Acha que a comunidade portuguesa está bem integrada no cantão de Zurique, mesmo com a dificuldade da Língua?
Apesar da minha ainda curta presença no cantão, diria que sim, pois não é percetível uma guetização ou outro fenómeno de exclusão nesta cidade. Também há que considerar que o Português gosta de se integrar e respeita muito este país que o acolhe. Na Suíça em geral, em Zurique em particular, temos fama de sermos bons profissionais e um povo sereno. A língua é, certamente, um desafio, que não é intransponível. Temos na comunidade alguns cidadãos com empresas de ensino de línguas que podem ser opções práticas para os recém-chegados.
E a Língua Portuguesa? Que está a ser feito ou projetado para a sua promoção, assim como para o Ensino do Português na Suíça?
A promoção da língua portuguesa é uma prioridade constante da política externa portuguesa. Sob liderança do Ministro dos Negócios Estrangeiros, ela é planeada e levada a cabo pelo Instituto Camões e pela rede do Ensino Português no Estrangeiro (EPE). O EPE visa afirmar e difundir a língua portuguesa no mundo e proporcionar a aprendizagem da língua e da cultura portuguesas, através de cursos extracurriculares de língua e cultura portuguesas (regime de “ensino paralelo”) organizados ou apoiados pela rede EPE do Camões, I.P. Terminou no passado dia 30 de abril o prazo para a inscrição (ou renovação de matrícula) para o ano letivo 2023/2024 e está em curso um programa de distribuição faseada de equipamentos para a participação digital dos alunos nos cursos do EPE. Do seu conhecimento do território helvético, qual a importância das associações portuguesas na Suíça, em especial em Zurique? Como já referido, as associações são elementos fundamentais de agregação das comunidades e de ligação a Portugal. Os movimentos com carácter associativo das comunidades portuguesas tem sido uma característica muito importante que demonstra a permanência de um vínculo de pertença cultural e um sinal de integração nos países de acolhimento. Ao manterem vivas festas e tradições, através das suas atividades, as associações ajudam a transmitir às novas gerações o sentimento de ser Português. São importantes centros de apoio social e instrumentais para a nossa ação consular ser ainda mais próxima e eficaz. Tirando partido do excelente trabalho realizado pelo meu antecessor, estou atualmente a contactar as associações da nossa área de jurisdição, para me inteirar das suas atividades e ver em que áreas podemos colaborar e prestar apoio. A pandemia Covid-19 foi exigente também para o movimento associativo português na Suíça e, agora que finalmente terminou, é necessário voltar à normalidade. Os desafios que a passagem do testemunho às novas gerações coloca, nos tempos atuais, recomendam uma reflexão não só sobre a sustentabilidade das iniciativas, mas também das condições para a obtenção de meios de apoio.
Na sua opinião qual é o grande desafio dos serviços consulares?
Atualmente, num mundo cada vez mais digital, diria que o grande desafio reside na modernização, aliada à crescente necessidade de estarmos mais próximos do utente, com previsibilidade, evitando demoras. Para isso, procuraremos tirar partido das ferramentas digitais para melhorarmos a nossa capacidade de atendimento, sem dispensar a presença no terreno, fundamental para podermos estar próximo da comunidade e do seu contexto. Por exemplo, o agendamento de atos consulares é uma ferramenta muito útil que permite à equipa do Consulado organizar eficazmente o atendimento dos nossos utentes, procurando reduzir os tempos de espera na visita ao Consulado Geral ou durante as presenças consulares.
Que serviços e informações os portugueses procuram no Consulado?
A emissão de Cartões do Cidadão e de Passaportes são os serviços mais procurados, assim como os registos de nascimento e casamento. Muitos dos nossos utentes também pedem informações sobre os mais diversos aspetos da vida social e laboral na Suíça. Recebemos diversas questões trabalhistas, dúvidas sobre a segurança social e o pagamento de impostos, acesso à educação e saúde, entre outros assuntos. Tentamos dar resposta a todas as solicitações, no limite das nossas competências, prestando apoio direto nos casos mais delicados.
Que opinião tem do “Programa Regressar”?
Francamente positiva. É um programa que visa incentivar a vinda de quadros qualificados e, em particular, de jovens para Portugal e que a comunidade deve conhecer melhor. Convido todos os interessados a consultarem a página do Programa em www.programaregressar.gov.pt e prepararem um regresso a Portugal num quadro de apoio que pode ser personalizado. A vantagem deste Programa está no envolvimento de todas as áreas governativas, com medidas concretas como um regime fiscal mais favorável para quem regressa, um apoio financeiro para os emigrantes ou familiares de emigrantes que venham trabalhar para Portugal e uma linha de crédito para apoiar o investimento empresarial e a criação de novos negócios em território nacional, entre outras. Recentemente, o Governo voltou a reforçar e a alargar o Programa Regressar, segundo a portaria nº 114/2023, de 20 de maio, do Ministério do Trabalho Solidariedade e Segurança Social, que entrou em vigor no passado dia 3 de maio. Por exemplo, o subsídio para contratos por tempo indeterminado ou no caso da criação da própria empresa ou do próprio emprego subiu 480,43 euros (de 2 882,58 euros para 3 363,01 euros. A medida passa também a beneficiar emigrantes fora de Portugal há pelo menos três anos em relação à data de início da atividade laboral em Portugal (2021, 2022 e 2023). No quadro de uma visita à Suíça, tivemos o prazer de receber em Zurique a equipa do Ponto de Contacto para o Regresso do Emigrante (PCRE), numa sessão de informação muito interessante e participada, onde ficou bem patente a importância de continuar a apostar na realização de ações de divulgação em regime de proximidade e com a participação de elementos chave do PCRE.
Que podem esperar os portugueses de Gonçalo Motta como Cônsul-geral de Portugal em Zurique?
É sempre uma honra poder servir a valorosa comunidade portuguesa no estrangeiro, e um prazer especial fazê-lo na Suíça e aqui em Zurique. Podem esperar um Cônsul interessado em conhecer, disponível para atender e motivado para servir. Conto com a vossa amizade para participarem nas nossas iniciativas e com a vossa colaboração para as levarmos a bom porto. ■
Adélio Amaro, in Gazeta Lusófona