Na semana passada, em Brasília, o Presidente Lula recebeu o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, em uma visita de Estado, e o primeiro-ministro Luís Montenegro, no âmbito da XIV Cimeira Brasil-Portugal. Esses encontros marcaram o início das comemorações dos 200 anos da assinatura do Tratado de Paz, Amizade e Aliança, em 1825, que reconheceu a Independência do Brasil e deu início ao relacionamento diplomático entre nossos países. Igualmente importantes foram os resultados alcançados, entre os quais 19 acordos e uma série de decisões que trazem benefícios concretos para nossos cidadãos de ambos os lados do Atlântico.
O reconhecimento e a valorização das nossas comunidades imigrantes nortearam os entendimentos alcançados em Brasília. Ao ressaltar a contribuição da comunidade brasileira para o bom momento económico de Portugal e sua integração na sociedade local, o primeiro-ministro Montenegro agradeceu aos brasileiros que escolhem Portugal como sua pátria de acolhimento. Também destacou os esforços do Governo português para dinamizar o processo de regularização de imigrantes, como a estrutura de missão da AIMA. O reforço da rede consular portuguesa em nosso país também foi mencionado pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.
Quando se fala em integração das comunidades imigrantes, é fundamental encararmos a questão da discriminação em todas as suas formas. Nossas lideranças reiteraram o compromisso conjunto com a promoção da igualdade racial e da luta contra o racismo e a xenofobia. Também houve acordo quanto à importância de padronizar e acelerar os processos administrativos necessários ao reconhecimento de graus académicos e diplomas de ensino superior. À margem da Cimeira, a Câmara Municipal de Lisboa atendeu uma antiga reivindicação da comunidade brasileira ao reconhecer, em protocolo assinado com a Embaixada, o Carnaval brasileiro de rua como manifestação cultural.
A agenda económica teve grande projeção na XIV Cimeira, condizente com o crescimento consistente dos fluxos de investimento diretos de lado a lado e da corrente de comércio. Uma das vertentes que mereceu destaque foi a cooperação no âmbito da indústria aeronáutica, por seu caráter estratégico e efeito multiplicador para a integração de nossas cadeias produtivas e tecnológicas.
No cenário atual, marcado pelo aumento do protecionismo comercial, é fundamental redobrarmos os esforços para promover uma maior integração económica entre nossos países e regiões. Saudamos, nesse contexto, o empenho do governo português junto a seus pares europeus para assegurar a concretização do Acordo Mercosul-União Europeia, como afiançado pelo primeiro-ministro na XIV Cimeira.
Uma das grandes fortalezas da parceria Brasil-Portugal é a capacidade de se atualizar e se adaptar às novas realidades e desafios. As interações bilaterais em ciência, tecnologia e inovação têm ganhado densidade, incluindo diferentes atores e gerando valor para nossas sociedades. Nessa XIV Cimeira, foi assinado o Memorando de Entendimento sobre o Estabelecimento de um Diálogo Digital, centrado em inteligência artificial, semicondutores, governo digital e outros aspectos inovadores.
Também foi conferida ênfase às aplicações científico-tecnológicas em benefício da saúde pública, inclusive mediante a assinatura de instrumentos entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Brasil com contrapartes portuguesas, como a Universidade de Coimbra, a NOVA Medical School, o Centro de Engenharia e Desenvolvimento (CEiiA) e o Atlantic International Research Centre.
Nossos governos se comprometeram a atualizar, no mais breve prazo possível, o marco normativo bilateral de cooperação para o desenvolvimento, tanto na área de saúde como em outras frentes, o que permitirá, entre outras iniciativas, operacionalizar um escritório de cooperação na Embaixada do Brasil em Lisboa.
A Cimeira também fortaleceu nossa parceria bilateral no enfrentamento aos desafios ambientais globais. Brasil e Portugal, comprometidos com a descarbonização das suas economias e com matrizes elétricas entre as mais limpas do mundo, reafirmaram seu desejo de intensificar a cooperação na área das energias renováveis e na promoção de uma transição energética justa. Portugal reiterou seu empenho em colaborar com a presidência brasileira da COP30, que se realizará em Belém, em novembro.
O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva agradeceu a adesão de Portugal à Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, bem como o apoio financeiro português ao Secretariado dessa iniciativa. A Cimeira também foi oportunidade para Brasil e Portugal reafirmarem seu compromisso com a defesa de um multilateralismo revitalizado, fortalecido, eficaz e baseado no direito internacional e na Carta das Nações Unidas. Assim, nossos países manifestam de forma inequívoca que estamos do lado da paz e das soluções negociadas, tão necessárias em um mundo marcado pelo recrudescimento de conflitos.
Seja no âmbito bilateral ou global, queremos falar em voz unida. Melhor ainda se pudermos nos expressar na nossa apreciada língua portuguesa. Reconhecendo o pluricentrismo do nosso idioma e a diversidade do mundo lusófono, nossos líderes assumiram o compromisso de promover uma maior utilização da língua portuguesa, em particular como idioma oficial das Nações Unidas.
Os resultados alcançados na XIV Cimeira são uma demonstração da densidade e qualidade do nosso relacionamento, que vive hoje seu melhor momento. Estamos iniciando uma nova fase de nosso diálogo e cooperação, estruturados em torno de uma agenda mais ambiciosa e centrada em visões convergentes sobre problemas globais compartilhados. No momento que marca o Bicentenário da nossa amizade fraternal, devemos celebrar o expressivo êxito alcançado nessa histórica Cimeira e continuar a trabalhar unidos pela defesa da paz, do desenvolvimento sustentável e do bem-estar de nossos povos. ■
Raimundo Carreiro Silva
Embaixador do Brasil em Lisboa
*Artigo publicado no Diário de Notícias em 24.02.2025