Empresas brasileiras e portuguesas avaliam desafios num mercado “pós-pandemia”

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Após semanas em regine de teletrabalho, como as organizações devem atuar diante desse novo cenário?
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A pandemia de Covid-19 impactou as atividades de centenas de empresas brasileiras e portuguesas. Tanto na Europa como na América do Sul, muitas não estavam preparadas para migrar os seus negócios para o ambiente digital, enquanto as atividades presenciais estavam suspensas, outras tiveram a oportunidade de notar falhas estruturais e organizacionais e até hoje questionam-se sobre a sustentabilidade dos seus modelos de negócio. Neste momento, em que há relaxamento das medidas que determinavam o isolamento social, empresas, públicas e privadas, retomam as suas agendas presenciais. Após semanas em regine de teletrabalho, como as organizações devem atuar diante desse novo cenário? O que a tecnologia mudou no cotidiano das empresas? Como as áreas de recursos humanos, ou de gestão de pessoas, devem enxergar esse “novo normal” com funcionários, colaboradores e gestores em regime presencial e à distância? Segundo apurámos, a solução passa pela adaptação ao novo estilo de vida global.

Pedro Ramos, diretor de Recursos Humanos do Grupo TAP, com sede em Portugal, adverte que “independentemente da dimensão, da natureza pública ou privada, da geografia onde predominantemente estão inseridas ou do setor de atividade onde as empresas ou organizações atuam, os pontos ou fatores que deverão ser considerados com bastante acuidade pelos seus órgãos de gestão ou pelos diferentes níveis de liderança são o reforço dos processos de aprendizagem, os processos de planeamento e uma nova organização do trabalho”.

Este profissional sublinha que, na questão do reforço dos processos de aprendizagem, a pandemiaveio definitivamente ‘empurrar’ as empresas e organizações para um processo de transição que há muito vinha sendo adiado por vários motivos. Trata-se do processo de passagem de um modelo, ou cultura, de training para um novo modelo, ou cultura, de Learning nas nossas empresas. A pandemia veio obrigar, e eu diria de forma positiva, os trabalhadores a assumirem um papel principal, um verdadeiro protagonismo, ao nível dos seus processos de desenvolvimento e aprendizagens. Muitos foram enviados para casa, em home office, ou teletrabalho, como designamos em Portugal, e tiveram de rapidamente aprofundar competências mais ou menos “hard” nos domínios digitais, mas também comportamentais e ao nível da comunicação e interação com o outro”. No pós-pandemia, continua Ramos, “estes aspetos de responsabilização das suas próprias aprendizagens, tendo em vista manterem-se empregáveis face aos contextos económico e social vigente, terão de ser reforçados e ainda mais amplificados por parte das lideranças a nível absolutamente transversal em todas as organizações. Isto é especialmente importante no contexto do mundo corporativo lusófono (Portugal e Brasil, por exemplo) dada a dimensão cultural tradicional de que o ‘patrão’ tem sempre a responsabilidade por tudo o que os empregados deverão aprender. Este modelo alterou-se definitivamente e há aqui uma rotura cultural efetiva”.

No ponto a que se refere aos processos de planeamento de longo e médio prazos, Pedro Ramos atesta que estes “deram definitivamente lugar a um processo de planeamento de curto e muito curto prazo nestes próximos tempos de pós-pandemia. Estes planos de curto prazo que irão predominar terão de integrar a gestão e administração de planos de contingência face às emergências que poderão ocorrer em qualquer momento, bem como a integração de medidas de prevenção e levantamentos de riscos profissionais, incluindo os psicossociais”.

“Foco será nos resultados e não nos meios”

Por último, Pedro Ramos fala sobre uma nova organização do trabalho “incorporando esta nova lógica imposta pelo ‘Novo Normal’ que comprovará no terreno que o mundo mudou, incluindo o mundo do trabalho. Uma organização de trabalho, das pessoas e das equipas mais focada nos resultados, mais suportados em modelos ágeis e flexíveis, e numa lógica efetiva de ‘desmaterialização’ das empresas, dos departamentos e dos grupos de trabalho. O trabalho remoto é apenas uma das faces desta moeda. O foco será nos resultados e não nos meios. Uma nova relação laboral e salarial assente no pagamento pelas competências críticas e pelos resultados e ganhos obtidos mais do que no cumprimento de um horário de trabalho mensal, semanal ou diário”. No pós-pandemia, comenta este gestor, “tanto na Europa como no Brasil, um autêntico reset aos tradicionais modelos de organização do trabalho será efetuado dando um novo protagonismo à pessoa, ou trabalhador, ao invés de à sua função ou à sua categoria profissional. Tempos de trabalho, espaços de trabalho, descritivos funcionais, modelos de carreira, competências críticas e formas de retenção de talentos essenciais serão objeto de profunda transformação nesta fase de retomada e pós-pandemia”, finaliza Pedro Ramos.

Por sua vez, Marcelo Fernandes, especialista em Recursos Humanos com ampla experiência em Gestão de Pessoas em organizações públicas no Brasil, ressaltou que, tendo em vista que a pandemia “gerou um forte impacto na vida económica e social no mundo, é necessário estar atento a um conjunto de situações que decorrem desse cenário”.

“Na economia, poderemos ver uma reconfiguração no arranjo da cadeia de suprimentos, pois os países não desejam ficar expostos no fornecimento de insumos e meios estratégicos para as suas economias. Assim, haverá um olhar para o reinvestimento interno de produções que eram antes importadas. No âmbito das empresas, deve ser vista uma intensificação da utilização das tecnologias tanto para geração de novos produtos como para facilitar e transformar processos internos. No Brasil, podemos incluir o teletrabalho, a educação à distância, os sistemas de apoio à gestão e produção, o realinhamento no desenvolvimento de competências técnicas e emocionais e das demais políticas de gestão de pessoas, uma maior preocupação com a sustentabilidade, bem como a intensificação da absorção de soluções baseadas na inteligência artificial”, considera Fernandes, que acredita que, “na sociedade, haverá uma maior consciência na ressignificação do valor da vida e, consequentemente, em diversos elementos que a circundam. Haverá ainda maior preocupação e atenção aos relacionamentos interpessoais, ao equilíbrio de tempo trabalho-vida pessoal, maior atenção à espiritualidade, bem como teremos o fortalecimento das preocupações com a natureza e a sustentabilidade”.

“Repensar a sua forma de trabalho”

Este profissional alega que, no caso brasileiro, a administração pública “tem um papel fundamental no suporte ao enfrentamento da pandemia, mas também para a criação do futuro pós-pandemia”.

“Considerando que já vivemos o momento do enfrentamento, creio que, para o futuro, podemos falar que a administração pública também será obrigada a repensar a sua forma de trabalho com o aumento do teletrabalho e a utilização de tecnologias que facilitem ainda mais o acesso aos serviços por parte do cidadão. Além disso, a administração pública deverá observar, principalmente, um maior foco na prevenção e atenção à saúde, facilitação do acesso e desenvolvimento de competências para a nova dinâmica económico-social que está á surgir, fortalecimento e melhoria da gestão ambiental, melhoria da infraestrutura e aperfeiçoamento da gestão sanitária, a continuidade da busca pela melhoria da gestão de riscos e transparência, reforço das políticas de proteção e inclusão das minorias, entre outros”, destaca Marcelo Fernandes.

Por seu turno, Paulo Sérgio de Souza Correa, headhunter e CEO da keeptalent, no Brasil, avalia que o mercado de trabalho sofreu um duro golpe diante da pandemia.

“O desemprego em função da crise do Covid-19 atinge fortemente a mão-de-obra não qualificada ou pouco qualificada, isto porque grande parte deste contingente já atuava de maneira informal e foi atingido em cheio com a queda do volume de demanda, sem proteção trabalhista, sem poupança e com a perda da renda de um dia para o outro, restou agarrar-se à renda mínima ofertada pelo governo e tentar fazer alguns ‘bicos’, quando possível, para sobreviver. Por outro lado, o número de profissionais mais qualificados que perderam os seus empregos é bem menor. Antes de efetuar desligamentos, as empresas utilizam várias alternativas, como férias, redução de jornada e remuneração ou suspensão do contrato de trabalho. Além disso, profissionais qualificados têm acesso e conhecimentos tecnológicos, viabilizando o teletrabalho, uma prática que veio para ficar mesmo após a pandemia”, conta Paulo Correa, que afirma que “encontrar, contratar e treinar profissionais qualificados demanda tempo e dinheiro, abrir mão deste plantel de profissionais poderia comprometer os negócios na retomada, além de trazer grande impacto na marca empregadora da empresa. Estas questões direcionam as empresas para um esforço maior para manterem os profissionais qualificados. A questão aqui é o tempo que irão aguentar até que a retomada da economia inicie, pois, normalmente, estes profissionais têm um custo salarial bem mais expressivo”.

“Perceba que o número de solicitantes de seguro-desemprego no Brasil, entre os profissionais com nível superior e salários acima de cinco mil reais, é o menor de todos. Quando analisamos os salários acima de dez mil, este número decresce ainda mais, pois, nesta faixa, estão os gestores, líderes essenciais para gerenciar este período de contingências, planear e efetivar as ações que ajudam a manter as empresas vivas”, dimensiona Correa.

“Motores de recuperação”

Maurício Seixo Rodrigues, consultor em Gestão de Pessoas, com atuação no país sul-americano, diz que os funcionários devem ser vistos como um dos principais motores de recuperação neste momento.

“No caso das organizações, de uma forma geral, precisamos demonstrar empatia com os seus clientes, demonstrar que estão atentas às suas necessidades e anseios. Com essa premissa em mente, precisamos dar um foco especial ao primeiro e principal cliente de qualquer organização, o seu colaborador. É ele que representa a sua marca. É ele o seu ‘vendedor’ mais engajado. É ele que poderá ajudá-la a passar por várias dificuldades no seu dia a dia tão complexo e desafiador”, comenta Maurício Rodrigues.

Este consultor recorda que, uma vez que “alguns colaboradores tiveram de continuar o seu trabalho nas dependências das organizações e vários passaram a realizá-lo de casa, e agora que vão voltar a trabalhar nas dependências das empresas, alguns fatores, entre outros, devem ser considerados e planeados visando à continuidade da entrega de resultados, mas, também, à melhor forma de acolhimento desses colaboradores”.

“Transparência, clareza e empatia são fundamentais”

“Primeiro, a distância do seu local de trabalho, bem como do seu gestor e dos outros profissionais, fez com que cada colaborador tivesse de desenvolver uma nova postura na forma de trabalhar. Está sendo necessária uma nova disciplina pessoal, um investimento na autogestão. Não existe ninguém vendo o que você está fazendo, nem quando, mas os resultados continuam sendo esperados. Esse processo exige uma maior maturidade e, de alguma forma, alguns estão se saindo melhor do que outros. A organização deve passar então a cada vez mais focar em ajudar nesse autodesenvolvimento, autoconhecimento e autogestão, até porque, nada será como antes e esse processo de trabalho remoto terá continuidade, com mais ou menos intensidade. Segundo, o processo de comunicação sempre foi um grande desafio nas organizações, mas, neste momento, ele é vital. É necessário que seja intensificado, que seja mais próximo do colaborador do que nunca. As pessoas, de uma forma geral e diferenciada, estão abaladas emocionalmente e com muitas dúvidas, não só sobre questões do mundo e do país, mas em relação à própria organização e à sua situação dentro dela. Transparência, clareza e empatia são fundamentais para lidar com esse momento. Os gestores, especialmente, precisam estar atentos aos colaboradores e perceber como cada um está reagindo. Proximidade, saber ouvir e dar orientação farão a diferença para que dentro de algum tempo todos estejam mais adaptados à nova realidade. Terceiro, as iniciativas no dia a dia podem mais facilmente demonstrar a vontade genuína de acolhimento. Algumas empresas já começaram a agir nesse sentido, inclusive, criando uma cartilha virtual e/ou física explicando as ações que cada colaborador deve fazer no seu retorno, demonstrando a preocupação com a garantia da saúde no ambiente. Como exemplo, temos a medição da temperatura na entrada, entrega de kits de máscaras e álcool gel, restrição e gerenciamento da entrada de visitantes e fornecedores, janelas abertas criando um ambiente mais ventilado, portas com sensores para que se evite utilizar as mãos para abri-las, escala de trabalho diferenciada durante a semana entre os colaboradores, espaço redesenhado, com distanciamento confortável e mais seguro, contratação de médico do trabalho visando à uma rápida identificação e orientação para eventuais casos de sintomas durante o trabalho, na existência de refeitório, haverá a eliminação do sistema de buffet e a criação de porções individuais, reunião em ambientes abertos ou virtuais (mesmo dentro da empresa) e limpeza constante dos ambientes e do ar-condicionado. Como sabemos, toda crise também é uma oportunidade, basta que estejamos com a mente aberta para agirmos de maneira criativa para obtermos resultados diferenciados”, finaliza Rodriguês. ■

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