Durante uma conferência promovida pelo GRI-DPA – Grupo de Reflexão e Intervenção da Diáspora Portuguesa da Alemanha, em Düsseldorf, o escritor português João Morgado, natural da Covilhã, defendeu que a nossa “pátria é a Cultura Portuguesa”, porque a cultura se sobrepõe à língua. E que para os emigrantes, o português não deve ser encarado como um “souvenir de família, mas, sim, como uma ferramenta de futuro, uma língua global, de cultura, de investigação e de negócios…”. Este responsável, detentor de vários prémios literários e que é presidente da Casa do Brasil – Terras de Cabral, com sede em Belmonte, questionou ainda se os custos do ensino do idioma na diáspora – “português como língua afetiva” – não poderiam ser partilhados com outros países de língua oficial portuguesa, de modo a reforçar os meios financeiros e humanos. O evento, que decorreu no dia 11 de dezembro, serviu para discutir o futuro do ensino do português como língua de herança ou língua estrangeira.
Em entrevista à nossa reportagem, João Morgado falou sobre as dificuldades que a língua portuguesa encontra para se afirmar no mundo como um código linguístico de aproximação cultural.
O português é uma língua de herança ou uma língua estrangeira?
Para as novas gerações de emigrantes é as duas coisas. Para quem já não vive na cultura portuguesa, o português não é o idioma materno, mas também não é uma língua estrangeira igual às outras…. prefiro chamar-lhe língua afetiva!
E é essa linha afetiva que os leva a continuar os estudos de português?
Os mais jovens estudam por imposição de família. Os mais velhos já são mais pragmáticos e perguntam: o que ganho eu em estudar uma nova língua, em estudar o português? Dizer que é a língua dos avós é pouco. Para falar com os avós e os primos, chega o que aprendem em casa, se houver empenhamento dos pais. Mas isso não dá dimensão a uma língua, nem é o incorporar de uma cultura.
Então qual deve ser a abordagem?
O atrativo de estudar português está muito relacionado com o peso e a dimensão da nossa língua no mundo. Mais que um ‘souvenir’ de família, os jovens terão de observar o Português como uma ferramenta de futuro, uma língua global, de cultura, de investigação e de negócios… É importante que olhem para um português moderno, onde podem tirar mestrados e doutoramentos, desenvolver investigação, internacionalizar projetos, trabalhar com empresas que usam Portugal como plataforma de entrada na Europa…
Até poderem viver em Portugal?
Claro, por que não? O mundo mudou, ao contrário de antigamente, o que leva as novas gerações a emigrar já não são só as dificuldades de vida ou falta de emprego. Portugal pode ser um ‘plano B’ na vida dos filhos dos emigrantes. E o regresso às tais raízes da família deverá acontecer, não pela gastronomia ou etnografia, mas por reais oportunidades de futuro profissional.
Em Düsseldorf, disse que gostaria que os emigrantes de quarta ou quinta geração lessem os seus livros em português, mas que se fossem lidos na língua dos países onde nasceram também seria agradecido… isso não é tirar o foco ao ensino do português?
Pelo contrário. Se muitos não dominam o português, é preciso que se mantenham atentos à cultura portuguesa, lendo livros nas suas línguas, vendo filmes portugueses legendados, assistindo a peças de dramaturgos portugueses, mesmo que encenadas em alemão ou inglês… como disse lá, sem querer controvérsias com um afamado poeta, a minha pátria é a cultura portuguesa. A cultura vai mais além da língua. Esta é um elemento determinante para a afirmação de um povo, mas não é tudo… que os filhos dos emigrantes absorvam conteúdos de cultura portuguesa, ainda que na sua língua, é que poderá levar a que se aproximem e estudem o português.
Mas o ensino do português está muito difícil na diáspora? Isso leva ao desinteresse dos jovens e é um entrave?
Sim, está difícil. Sei que faltam alunos, que alguns se deslocam muitos quilómetros para assistir às aulas, que em alguns sítios o ensino é pago pelas famílias, que muitas classes agrupam alunos de diversos ciclos de aprendizagem, que diminuíram os professores, etc., mas não conheço a realidade em pormenor para a avaliar e cada país terá uma realidade diferente. Acredito que o Instituto Camões está a fazer o melhor possível, como acredito também que há muitíssimo para fazer e acertar.
Afirmou que o português é a língua da multiculturalidade e que isso traz desafios ao ensino. Não foi sempre assim?
Sim, mas hoje há questões prementes. Por exemplo, com o decréscimo da população portuguesa e a amplitude que o Brasil está a conseguir nos EUA e na diáspora europeia, temos que perguntar que português vamos ensinar? Vamos ter cada vez mais classes onde se misturam brasileiros, angolanos, moçambicanos, cabo-verdianos, etc… até onde vamos estender o nosso leque gramatical e lexical? E temos de perguntar se o ensino passará a ser só uma responsabilidade de Portugal ou se deverá ser partilhado por outros países, por forma a aumentar as capacidades financeiras e humanas do ensino. São perguntas que devem estar sobre a mesa… ■