De saída da Embaixada de Portugal no Brasil, Jorge Cabral defende que “há sempre potencial para se ir mais além nas parcerias e nos projetos” entre os dois países irmãos

"Tive de dedicar a minha atenção a vários assuntos em simultâneo, atendendo à multidimensionalidade do riquíssimo relacionamento entre Portugal e o Brasil"

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Embaixador segue para missão diplomática em Israel / Foto: Fabiano Accorsi
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Jorge Cabral, atual embaixador de Portugal no Brasil, está de partida para Israel, onde vai iniciar uma nova jornada na vida diplomática, também como embaixador. Nos próximos dias, a Embaixada portuguesa em Brasília vai receber um novo “comandante”, Luís Faro Ramos, que atuava como presidente do Instituto Camões.

A nossa reportagem conversou com Jorge Cabral, que afirmou que a sua passagem pelo Brasil, que durou pouco mais de quatro anos, ficou marcada por “momentos muito exigentes e muito intensos, de grande aprendizagem sobre o relacionamento entre Portugal e o Brasil”. Este responsável comentou ainda sobre o trabalho de proximidade com as autoridades brasileiras, facto que “foi relevante para fazer funcionar este relacionamento, com um claro benefício para ambos os países”.

Cabral sublinhou que temas como a comunidade portuguesa e lusodescendente, economia e cultura foram alvo de maior atenção na sua gestão, assim como a valorização das atividades desempenhadas pela Federação das Câmaras Portuguesas de Comércio no Brasil.

O embaixador mencionou também o trabalho dos serviços consulares no Brasil, destacou a relevância da comunidade e das associações portuguesas nas cidades brasileiras e fez um balanço sobre o período em que representou Portugal desde a capital do maior país sul-americano. Do Brasil, Cabral diz levar boas memórias e momentos de afeto, além de um novo membro da família: um cão “brasileiríssimo” chamado Cacau.

Como avalia a sua gestão à frente da Embaixada de Portugal no Brasil?

Foi para mim uma grande honra e um enorme privilégio servir como embaixador de Portugal no Brasil. Tratou-se seguramente de um marco muito relevante no meu já longo percurso diplomático. Foram momentos muito exigentes e muito intensos, de grande aprendizagem sobre o relacionamento entre Portugal e o Brasil. Termino este mandato com a sensação de que fiz muito, reconhecendo, embora, que ficou ainda muito por fazer. Mas, no caso do Brasil, é mesmo assim: há sempre potencial para se ir mais além nas parcerias, nos projetos, nos mais diversificados domínios. Reflexo da riqueza e intensidade das relações bilaterais entre dois países que partilham uma herança histórica e uma língua comum, para além de uma matriz cultural, valores e princípios humanistas e democráticos comuns. Dei o melhor de mim e pude contar com uma ótima colaboração da equipa da Embaixada e da extensa estrutura consular portuguesa no Brasil. Também a excelência do trabalho desenvolvido com as autoridades brasileiras foi relevante para fazer funcionar este relacionamento, com um claro benefício para ambos os países.

Que temas mereceram a sua atenção?

Tive de dedicar a minha atenção a vários assuntos em simultâneo, atendendo à multidimensionalidade do riquíssimo relacionamento entre Portugal e o Brasil. No entanto, gostaria de destacar três áreas que me pareceram de suma importância, frentes em que procurei investir as minhas energias, ao longo dos últimos quatro anos.

– Em primeiro lugar, a comunidade portuguesa e lusodescendente espalhada pelos quatro cantos do vastíssimo território brasileiro. Tive o grato prazer de contatar muitos dos representantes desta comunidade e a eles quis dedicar especial carinho e atenção;

– Depois, a economia, área onde há ainda um grande potencial de crescimento no relacionamento bilateral. Sobre este ponto, gostaria de sinalizar o diálogo regular e o apoio que a Embaixada foi dando à Federação das Câmaras portuguesas de Comércio, no Brasil e, também, às Câmaras portuguesas de comércio, individualmente, que cresceram de 13 para 18, apenas no período de duração do meu mandato. Foi ainda nessa mesma linha que investi no lançamento do Conselho Informal de Empresários da Diáspora;

– Por fim, na área da língua, formação e educação, gostaria de destacar a presença de seis cátedras de estudos portugueses em funcionamento em Universidades brasileiras de prestígio, dispersas por diferentes estados. Presença que se tem revelado um capital de especial relevância. Este foi um assunto a que dediquei, também, por motivos óbvios, especial atenção. De resto, a cátedra mais recente, na Universidade Federal do Pará, foi já criada no decurso do meu mandato.

Quais ações pode destacar em termos culturais e sociais?

De entre as inúmeras ações nestas áreas, valerá a pena realçar as que se inserem no estimulante ciclo comemorativo do bicentenário da independência do Brasil, iniciado em 2017 e que culminará em 2022, com um amplo e diversificado conjunto de atividades e iniciativas desenvolvidas em estreita articulação com congéneres brasileiras. Inequívoca demonstração de uma salutar e pacífica relação bilateral. De todas elas, destacaria sobretudo três, que foram executadas com grande êxito, graças a uma exemplar cooperação com interlocutores brasileiros: a exposição “Retrato de Dom João VI”, concretizada em parceria com o Museu de História Nacional, do Rio de Janeiro; a exposição “Dona Maria da Glória: Princesa nos Trópicos, Rainha na Europa”, realizada em estreita parceria com o Museu Imperial, em Petrópolis; a sessão solene, promovida por iniciativa da Câmara dos Deputados, alusiva aos 200 anos da revolução constitucional do Porto.

Como carateriza a comunidade lusodescendente no Brasil?

Uma comunidade com uma dimensão e presença muito relevantes, bem integrada e muito respeitada no Brasil, da qual sempre muito me orgulharei.

Qual é a importância das casas regionais na manutenção da cultura portuguesa no Brasil?

São associações muito importantes que, com grande mérito e enorme investimento, mantêm vivas as tradições e contribuem para que portugueses e lusodescendentes preservem e respeitem as suas raízes portuguesas. Este é um aspeto importante para a própria valorização e identidade da comunidade no Brasil.

Muitas dessas associações passam por dificuldades… No Rio de Janeiro, estuda-se uni-las numa só. Tem alguma opinião sobre o tema?

Não me parece que o embaixador de Portugal deva permitir-se opinar sobre as opções e modalidades de gestão dos movimentos associativos. Cabe aos próprios órgãos constituintes fazê-lo. Mas uma coisa me parece evidente: é importante fazer um esforço para cativar as gerações mais novas, de forma a melhor envolvê-las na gestão dos assuntos relacionados com a comunidade.

Em termos de evolução nos atendimentos consulares nas cidades brasileiras, o que pode dizer? Houve avanços em que sentidos?

São assuntos a que o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Portugal tem vindo a dar especial atenção na tentativa de encontrar respostas adequadas para as necessidades de quantos, em números crescentes, procuram os serviços consulares portugueses. A tendência passa pela tentativa de desmaterialização de alguns procedimentos. Neste contexto, as secções consulares da Embaixada e dos restantes postos consulares portugueses no Brasil têm vindo a desenvolver esforços concertados para acompanhar os desenvolvimentos tecnológicos em curso e encontrar soluções inovadoras e adequadas. Caberá realçar que a pandemia veio colocar desafios acrescidos, obrigando à reorganização dos serviços para podermos assegurar respostas adequadas às necessidades dos utentes, em especial nas situações de natureza mais urgente; preocupação que sempre tivemos bem presente, mesmo nos períodos mais agudos em que os níveis de infeção foram manifestamente elevados, períodos durante os quais, ainda que condicionados por todos os inevitáveis constrangimentos associadas, sempre procuramos responder e corresponder às necessidades dos utentes, sem jamais termos postos em risco a segurança, tanto de funcionários como dos utentes. Não posso deixar de fazer, aqui, uma reconhecida referência ao esforço e dedicação de todos os funcionários da Embaixada e dos postos consulares espalhados pelo território brasileiro que, cientes, embora, dos elevados riscos que corriam, sempre souberam manter vivo um espírito de missão e sentido de estado. Mas, também, expressar uma nota de agradecimento a todos os utentes que manifestaram a sua compreensão pelas restrições que, por força das circunstâncias sanitárias, fomos forçados a assumir em matéria de atendimento público.

Que problemas, em termos diplomáticos, trouxe a pandemia entre Brasil e Portugal e no sentido de auxílio da comunidade portuguesa no Brasil?

Não houve problemas diplomáticos entre Portugal e o Brasil decorrentes da pandemia. Bem pelo contrário. E é importante destacar que, mesmo nos momentos mais difíceis, sempre se mantiveram as ligações aéreas entre os dois países, o que é bem revelador da importância atribuída pelas autoridades portuguesas e brasileiras à continuação do fluxo entre os dois povos, mesmo em contexto de pandemia, dados os fortíssimos laços que unem portugueses e brasileiros. Mas é verdade que procuramos estar mais atentos às necessidades da comunidade portuguesa e lusodescendente aqui radicada; e que a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas fez um grande esforço para rastrear e identificar essas necessidades e carências, na tentativa de as suprir, aliviar e colmatar.

Que desafios a diplomacia portuguesa tem pela frente em termos de conexão entre os dois países?

Entre Portugal e o Brasil a relação foi sempre excelente. O maior desafio para a diplomacia portuguesa é tornar esta relação ainda melhor. Com o Brasil, temos sempre de almejar o muito bom, mesmo o excecional. Já que são muitas as proximidades e cumplicidades existentes.

Que “dicas” deixa para o embaixador Luís Faro Ramos que irá ocupar o posto em alguns dias?

Dir-lhe-ia para viver intensamente cada momento enquanto embaixador de Portugal num país tão importante para nós, como é o Brasil. Até porque, o nosso tempo como embaixadores aqui se esgota muito mais rapidamente do que gostaríamos, ou antecipamos.

Que imagem tem hoje do Brasil?

Levo comigo uma imagem de um Brasil sempre otimista, mesmo perante as maiores adversidades. De um Brasil muito próximo de Portugal, país-irmão que vai redescobrindo pontos de referência e proximidade. Mas também de um país continental, com um riquíssimo e diversificado acervo e potencial, que tem todos os requisitos para poder ser uma grande potencia regional, falando em português.

O que leva do Brasil em termos afetivos?

Levo, sobretudo, grandes amizades, muitas e boas memórias. Recordações de afeto e de uma transbordante simpatia. Mas também um cão brasileiro, chamado Cacau.

Que mensagem deixa para os luso-brasileiros que vivem no Brasil e que dependem da atuação das diferentes valências da diplomacia portuguesa nesse país sul-americano?

Aos portugueses e luso-descendentes que vivem no Brasil – de cuja presença muito nos orgulhamos por bons e fundados motivos – diria que poderão continuar sempre a contar com o apoio da Embaixada, que está aqui, também, para servi-los. Empenhados que estamos sempre numa melhoria contínua. ■

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