Lula deve explicações ao Brasil

"Na raiz deste declínio encontra-se o acentuado divórcio do partido com as classes médias, em particular com a intelectualidade, que começou logo em 2005, quando foram revelados os primeiros escândalos de corrupção (Mensalão)"

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Carlos Fino, jornalista
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Um ano depois de ter sido solto, após 580 dias de detenção, Lula da Silva permanece em eclipse quase total na cena política do país. Ironicamente, fala-se menos dele hoje do que quando estava encarcerado na superintendência da Polícia Federal, em Curitiba.

O ex-presidente mantém-se em liberdade enquanto recorre da sentença – já em segunda instância –  que o condenou por corrupção a mais de oito anos de cadeia. A sua expectativa é que o Supremo possa ainda anular o processo se considerar – como defende a defesa – que o juiz Sérgio Moro foi tudo menos imparcial. Sem isso, no entanto, além de correr o risco de voltar a ser preso, Lula tem os direitos políticos limitados, uma vez que por força da Lei da Ficha Limpa não pode candidatar-se a cargos públicos.

 Com 75 anos completados há dias, Lula aparentemente está bem: segundo os seus porta-vozes, faz exercício regular, tem nova namorada com quem pretende casar e projeta mudar-se no final do ano para uma vila no litoral da Bahia…

Mas se as coisas lhe correm bem no plano pessoal, já no plano político tudo é mais complicado. A expectativa dos seus apoiantes e aliados de que, uma vez solto, o velho líder petista iria rapidamente mudar o cenário em favor da esquerda, até agora não se concretizou. O PT mostra-se anquilosado, sem quadros capazes de assumir uma liderança renovada e pode até sofrer derrota histórica nas eleições locais deste mês.

Oportunidade falhada

Na raiz deste declínio encontra-se o acentuado divórcio do partido com as classes médias, em particular com a intelectualidade, que começou logo em 2005, quando foram revelados os primeiros escândalos de corrupção (Mensalão); se acentuou depois com as grandes manifestações de 2013, já com Dilma, e prossegue até agora. Foram dissidentes do PT – recorde-se – que fundaram o PSOL (Partido do Socialismo e Liberdade), que hoje desafia a tradicional hegemonia petista à esquerda e onde se refugiou boa parte dos artistas e intelectuais que antes estavam com o Partido dos Trabalhadores.

Para o PT reverter esta situação seria necessário um gesto sincero de humildade e arrependimento por parte de Lula, reconhecendo os erros do partido e dando explicações ao país. É certo que as repetidas acusações pessoais contra ele deixam transparecer um certo justicialismo persecutório e grandes juristas internacionais questionaram a lisura dos processos em que está envolvido. No entanto, mesmo admitindo tudo isso, a verdade é que essas questões não apagam todos os outros casos comprovados de envolvimento em larga escala do PT em casos de corrupção. E sobre isso, Lula guarda de Conrado o prudente silêncio.

A grande oportunidade para se explicar foi precisamente há um ano atrás, no momento da libertação, quando teve sobre ele novamente concentradas as atenções do país e do mundo. Já com o país mergulhado na torpeza rude do bolsonarismo, a expectativa era enorme: esperava-se dele pelo menos meia palavra de autocrítica em relação aos erros que no passado abriram caminho ao impensável e, ao mesmo tempo, uma mão estendida de reconciliação e unidade ampla das forças democráticas com vista ao futuro.

Mas Lula defraudou essas esperanças e falhou estrondosamente esse momento, naquele que pode ficar para a história da política como um case study de oportunidade perdida. Num registo raivoso e negacionista contra a Lavajato, sem qualquer mea culpa, o fundador do PT mostrou que os seus interesses pessoais imediatos têm prioridade sobre os interesses gerais do país.

A decepção foi tão grande, que os seus apoiantes prometeram que o discurso “p’rá valer” viria daí a alguns dias, no território mítico das greves do ABC. Mas os dias passaram e o discurso a sério não veio – nem em São Bernardo do Campo nem noutros locais, até hoje. O que veio foi a informação de que o PT não faria alianças à direita, facilitando assim a vida a quem está no poder. No fundo, repete-se a estória de 2018, quando o PT insistiu até ao fim na candidatura de Lula quando sabia que ela não era viável, descartando alianças ao centro e acabando por abrir caminho a Bolsonaro.

Perante isso, de pouco servem as jeremiadas sobre o leite derramado de um projeto que chegou a concitar o entusiasmo do país e do mundo na visão de um Brasil democrático, forte e progressista, dando prioridade à resolução dos problemas sociais e alinhado no diálogo com o que de melhor se faz no mundo. Um projeto de que Lula foi o rosto e a alma, mas do qual resta hoje apenas uma infinda recordação nostálgica.

Com o PT dando mostras de que não se consegue auto-reformar, com a esquerda dividida e o centro deixado aos compromissos de bastidores com o poder instalado, Bolsonaro vai resistindo a tudo – do desastre ecológico gigantesco dos derrames de petróleo no litoral à destruição da Amazónia e do Pantanal, passando pelos 160.000 mortos da Covid, naquela que é já a pior tragédia sanitária da história do Brasil. Mesmo neste contexto adverso, a popularidade do presidente brasileiro ronda hoje os 40 por cento!

            Perante isto, são duplas as explicações que Lula deve ao país – pelos erros do passado e pela incapacidade de resposta adequada aos desafios da presente situação política. Acorda, Lula, já lá vai um ano! ■

Carlos Fino – Jornalista

Os artigos expostos na coluna “O que sentimos” não reflete, necessariamente, a opinião da Agência Incomparáveis e são da inteira responsabilidade dos seus autores.

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